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Psiquiatria22 novembro 2024

Como a alexitimia se relaciona com os transtornos de personalidade

Estudo teve como objetivo entender até que ponto a alexitimia está implicada em transtornos de personalidade
Por Tayne Miranda

A Alexitimia é entendida como uma redução da capacidade de identificar e expressar emoções, dificuldade em diferenciar entre estados emocionais e sensações fisiológicas e um estilo cognitivo concreto e voltado para o externo. Ela é uma dimensão transdiagnóstica, associada com diversos sintomas e transtornos mentais, como depressão, ansiedade, impulsividade, transtornos alimentares, transtorno por uso de substâncias, transtornos psicossomáticos e transtornos de personalidade.  

Os transtornos de personalidade (TP) são uma condição crônica, com início precoce no curso da vida, que compromete funções psicológicas essenciais, particularmente a regulação emocional.  

A alexitimia é um traço de personalidade que compromete o processamento cognitivo de informações emocionais, a capacidade de articular verbalmente sobre os sentimentos e os relacionamentos interpessoais por conta da dificuldade em compreender as emoções das outras pessoas.  

Tais dificuldades se expressam de formas diferentes entre os diferentes diagnósticos de TP. No transtorno de personalidade boderline (TPB), a dificuldade em expressar emoções se associa fortemente com a desregulação emocional, no qual o comprometimento na identificação dos estados emocionais leva a comportamentos impulsivos. A dificuldade em descrever os sentimentos está associada ao transtorno de personalidade evitativo, levando os pacientes a evitar relações íntimas. O pensamento voltado para o externo é particularmente significativo no transtorno de personalidade esquizoide, no qual o foco no externo e o pensamento concreto se desdobra em distanciamento emocional e falta de introspecção. 

O estudo de Carolina Hanna Chaim e colaboradores visa entender até que ponto a alexitimia está implicada em transtornos de personalidade, focando em quais subtipos de transtornos de personalidade exibem relações mais intensas com a alexitimia. 

Saiba mais: Transtorno de personalidade borderline: como diagnosticar

transtorno de personalidade e alexitimia

Método 

Revisão sistemática seguindo a diretriz PRISMA. Foram feitas buscas nas bases de dados MEDLINE (PubMed), Scopus e Web of Science (Science and Social Science Citation Index) em 23 de junho de 2023, sem restrições de idioma ou ano de publicação. Uma busca complementar foi realizada em 9 de novembro de 2023, para incluir publicações mais recentes. Os estudos incluídos abrangiam a população adulta, usavam escalas validadas para avaliar alexitimia e deveriam tê-la como desfecho primário. Estudos com intervenção, relatos de caso, séries de caso, revisões sistemáticas e metanálises foram excluídos, bem como estudos com pacientes com comorbidade com transtornos psicóticos e uso de substâncias e aqueles que avaliavam traços de personalidade ao invés dos transtornos. 

Os seguintes desfechos foram avaliados: correlação entre alexitimia e TP; prevalência e expressão de alexitimia nos clusters nos TPs; gravidade da alexitimia nos TPs; impacto da alexitimia no comprometimento funcional dessa população; comparação entre alexitimia nos TPs e em outras condições psiquiátricas como transtornos de humor.  

95% dos estudos usaram a Escala de Alexitimia de Toronto (TAS-20), uma escala de autorrelato composta por três subescalas: dificuldade em identificar sentimentos, dificuldade em descrever sentimentos e pensamento orientado externamente. Cada item é classificado de 1 a 5, com a pontuação total variando de 20 a 100. Uma pontuação de 61 ou mais indica a presença de alexitimia. 

Resultado 

20 estudos envolvendo 4499 participantes foram incluídos no trabalho. 71,3% dos participantes eram mulheres. As amostras de cada estudo variaram de 36 a 1611 participantes.  

Considerando os clusters de TP, um estudo avaliou o cluster A (transtorno de personalidade esquizoide); dez estudos avaliaram o cluster B, 9 estudos avaliaram TPB, um estudo avaliou TPB, transtorno de personalidade histriônica e narcisista; dois estudos avaliaram o cluster C, um estudo avaliou transtorno de personalidade dependente e transtorno de personalidade evitativa. Seis estudos avaliaram diferentes clusters.  

Cluster A 

Uma relação modesta, mas estatisticamente significante foi encontrada entre alexitimia e transtorno de personalidade esquizoide. A escala utilizada no estudo foi a Observer Alexithymia Scale (OAS), que se baseia na observação clínica e de terceiros, sendo útil em populações com limitada autoconsciência, como as pessoas com transtorno de personalidade esquizoide.  

Cluster B 

Pacientes com TPB apresentaram pontuações expressivamente maiores na TAS-20 quando comparados com controles saudáveis. Também foram encontradas associações significativas entre pontuações do TAS-20 e reconhecimento de emoções, especialmente para expressões de medo e surpresa. Alexitimia também esteve associada a problemas nos relacionamentos e mudanças de humor no TPB.  

A gravidade psicopatológica, em uma avaliação de diversos TPs do cluster B, foi um preditor mais importante em déficits no reconhecimento emocional que o diagnóstico do transtorno de personalidade em si.  

Uma associação significativa foi encontrada entre autolesão não-suicida e alexitimia.  

Cluster C 

Em pacientes com transtorno de personalidade evitativa houve variabilidade significativa nos níveis de alexitimia e correlações com dificuldades em autorreflexão e problemas de intimidade.  

Discussão 

Houve uma relação significativa entre vários transtornos de personalidade, especialmente do clusters B e C e alexitimia, o que está alinhado com achados prévios que demonstram que a alexitimia exacerba as dificuldades de regulação emocional e nos relacionamentos interpessoais que são típicas dos transtornos de personalidade. Desse modo, uma avaliação direcionada para alexitimia nos TPs pode otimizar a abordagem terapêutica.  

O impacto da alexitimia varia entre os diferentes clusters. No cluster A, particularmente no TP esquizoide, a alexitimia parece contribuir para o distanciamento emocional e o isolamento social. 

No cluster B a alexitimia exacerba a impulsividade e desregulação emocional. Nele, as dificuldades impostas pela alexitimia dizem menos respeito ao reconhecimento das emoções dos outros e mais sobre uma dificuldade interna para processar e articular as próprias emoções. Os achados sugerem que a alexitimia contribui para a gravidade dos sintomas do TPB e pode atrapalhar o processo terapêutico por comprometer a habilidade do paciente se engajar emocionalmente com o tratamento.  

No cluster C, ela pode reforçar comportamentos evitativos e dependentes, atrapalhando os relacionamentos interpessoais e o processamento emocional. Nesse grupo, o pensamento orientado externamente é mais pronunciado, levando a um foco maior nos eventos externos em vez de introspecção ou percepção emocional. 

Veja também: IACAPAP 2024: Guideline para avaliação de ansiedade em crianças e adolescentes 

Limitações 

  • A maior parte dos estudos incluídos são cortes transversais, o que limita a determinação de causalidade e direcionalidade da relação entre alexitimia e transtornos de personalidade; 
  • Os estudos majoritariamente se basearam no autorrelato, o que pode não capturar toda a complexidade dos traços alexitímicos; 
  • Estudos prévios sugerem que fatores sociodemográficos e condições sociais influenciam significativamente a pontuação da TAS-20, variáveis que não foram diretamente controladas nas análises desse estudo; 
  • A diversidade de países e por conseguinte de culturas onde os estudos foram conduzidos pode limitar a generalização dos achados.  

Impactos para a prática clínica 

  • Incorporar na prática clínica a avaliação e intervenções orientadas para a alexitimia pode aumentar a eficácia do tratamento para os transtornos de personalidade; 
  • Pacientes com alexitimia têm dificuldade em estabelecer conexões interpessoais e articular suas emoções, exigindo métodos terapêuticos mais proativos e estruturados. Devemos, portanto, priorizar para esses pacientes a terapia comportamental dialética (DBT) e terapia cognitivo-comportamental (TCC). 
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Referências bibliográficas

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