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Psiquiatria27 outubro 2025

Machine learning na previsão de risco de suicídio de adolescentes

Um estudo utilizou a técnica de machine learning para avaliar o risco de suicídio atribuído à faixa etária de 11 a 20 anos.

A adolescência é uma fase de transição da vida, que pode ser cercada por vulnerabilidades importantes. Infelizmente, comportamentos como autolesão e ideação suicida vem sendo descritos com frequência nesta população. Por isso, a identificação precoce desses sintomas pode ser vital para uma abordagem adequada. Entretanto, um grande desafio é conseguir que esses jovens falem o que se passa com eles, pois muitos relutam em admitir seus sentimentos. Perceber os sinais que indicam esse comportamento é de grande interesse para profissionais de saúde e familiares. 

As ferramentas atualmente disponíveis para avaliação de suicídio nesta população são conhecidas e possuem um papel importante, mas também estão cercadas de limitações. Por exemplo, focam em sintomas isolados ao invés de avaliarem um contexto maior no qual o jovem está inserido (questões sociais, comportamentais e psicológicas envolvendo diferentes grupos, como a família e outros núcleos). Muitas também não foram desenvolvidas especificamente para adolescentes. Um estudo anterior também sugeriu que o poder preditivo dessas ferramentas seria limitado. 

mulher, depressiva com risco de suicídio, de costas, com a cabeça baixa, em foto preta e branca

Machine learning no risco de suicídio

A chamada machine learning (ML), por sua vez, consegue trabalhar com uma grande quantidade de dados e é capaz de achar um padrão entre eles. Sendo assim, questiona-se se essas ferramentas seriam capazes de detectar dados sutis, que poderiam passar despercebidos pelos avaliadores e ferramentas tradicionais. A ideia é identificar com maior precisão os fatores de risco mais relevantes e melhorar as previsões que se relacionam ao risco de suicídio. 

O artigo de Liu L. et al. se propõe a estudar como a tecnologia poderia auxiliar neste sentido. Com isso em mente, organizaram uma revisão sistemática da literatura com metanálise para estudar se o aprendizado de máquina (ML) poderia ser usado como uma ferramenta na predição de comportamento suicida. 

Métodos

O artigo seguiu a diretriz PRISMA, tendo a busca sido realizada em quatro bases de dados (Pubmed, Embase, Cochrane e Web of Science) até abril de 2024. O risco de viés foi avaliado pela ferramenta PROBAST. A heterogeneidade foi avaliada pelo teste I2. A métrica padrão de desempenho usada na metanálise foi a AUC (área sob a curva Roc – capaz de avaliar o quanto cada modelo é eficaz para mensurar diferentes grupos, como os de risco e os que não possuem risco). Neste modelo, quanto mais próximo de 0,5 (50%), mais próximo do acaso e quanto mais próximo de 1,0 (100%), melhor a acurácia, não havendo nenhuma possibilidade de errar a classificação de grupos. 

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No total foram incluídos 42 artigos. A população estudada era de jovens entre 11 e 20 anos, totalizando 1 milhão 408 mil 375 participantes. Foram analisados 104 modelos de ML para avaliar 3 padrões de comportamento e suas combinações:  

  • Autolesão não-suicida (ANS), na qual há a intenção de se machucar, mas sem desejo de morte. É considerado como um fator de risco importante para tentativas de suicídio).  
  • Ideação suicida é um padrão que varia desde pensar sobre a morte a até planejar suicídio. 
  • Tentativas de suicídio  são comportamentos com a intenção de morrer. 
  • Combinações envolviam ter ideação e tentativas ou tentativas e ANS.  

Resultados

De modo geral, as AUCs ficaram entre 70% e 80%, consideradas como boas métricas discriminativas para prevenção dos eventos avaliados. Esses resultados indicam que o ML tem potencial para distinguir quem está em risco e quem não está com bom poder de discriminação. A sensibilidade (capacidade de discernir quem possui risco) geral foi maior para as tentativas de suicídio; enquanto a maior especificidade (identificar corretamente quem não possui o risco) foi para a ANS. Alguns modelos parecem ser melhores, conforme o comportamento-alvo. 

Também foram avaliados os tipos de ML que se saíram melhor. Os seguintes modelos ganharam destaque:  

  • Random Forest (RF): mais usado nos estudos. Lida bem com dados desbalanceados e modelos de relações não-lineares. Teve AUC maior que 80% nos 4 subgrupos; 
  • Extreming gradient boost (XGboost):  se destacou pela capacidade de prever tentativas de suicídio com AUC de 0,87  e em torno de 0,8 para os demais eventos. Foi o modelo com maior sensibilidade (0,81) e especificidade (0,84) para prever o risco de suicídio;  
  • Outros promissores foram: LightGBM e redes neurais artificiais.  

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Considerações

Apesar desses bons resultados, é necessário compreender as limitações envolvidas:  

  • Uma ressalva importante é sobre a qualidade metodológica dos estudos incluídos na revisão, como questões envolvendo análise estatística inadequada, pequeno tamanho da amostra ou a forma como lidam com as variáveis preditoras. Isso significa que, embora o resultado combinado dos estudos pareça ser bom, a conclusão de alguns modelos específicos deve ser vista com cautela.  
  • Validação dos modelos: a maioria dos artigos incluídos utilizou apenas validação interna (o teste com o modelo foi feito com o mesmo grupo original de onde foram extraídos os dados com que o modelo aprendeu), faltando a validação externa (que seria a capacidade de generalizar os resultados para outras circunstâncias diferentes daquela que abasteceram o sistema). Isso faz com que haja incerteza sobre a capacidade de funcionamento desses modelos no mundo real, não sendo possível prever se seu desempenho seria o mesmo com outras populações. Isso poderia fazer com que os resultados encontrados fossem mais “otimistas” do que a realidade do uso de sua aplicação geral.  
  • Dados usados para treinar os modelos: muitos saíram de um único local, tornando difícil a sua generalização. Muitas amostras não se mostraram suficientemente representativas, o que limita a generalização dos resultados; 
  • Há também a presença de vieses, como viés de seleção, de autorrelato, dificuldade de seguimento longitudinal e questões éticas pertinentes a dados sensíveis. 
  • Interpretação dos dados. Modelos de ML podem ser considerados como “black box”, isto significa que é difícil compreender a estrutura interna do modelo e como chegou àquela conclusão. A incompreensão sobre o modelo de decisão tomada pode se tornar uma barreira.  
  • Heterogeneidade entre os estudos: dificulta um pouco a comparação dos resultados, tendo sido realizadas análises de subgrupos. 

Conclusão e mensagem prática

Portanto, o estudo destaca os bons resultados apresentados pela ML na capacidade de prever ANS, ideação suicida, tentativas de suicídio e suas combinações. Porém, ressalta que as limitações das pesquisas feitas até agora ainda não permitem seu uso de forma generalizada. O esclarecimento dessas limitações permite que novas pesquisas sejam feitas levando-se em consideração esses pontos e as questões éticas pertinentes ao tema para permitir que essa ferramenta venha auxiliar os cuidados com adolescentes no futuro. 

Autoria

Foto de Paula Benevenuto Hartmann

Paula Benevenuto Hartmann

Médica pela Universidade Federal Fluminense (UFF) ⦁ Psiquiatra pelo Hospital Universitário Antônio Pedro/UFF ⦁ Mestranda em Psiquiatria e Saúde Mental pela Universidade do Porto, Portugal.

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Referências bibliográficas

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