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Carreira18 novembro 2025

Como transformar populações marginalizadas em protagonistas do cuidado?

Médico defende a integração entre saberes tradicionais e ciência para um atendimento mais humano e capaz de responder às mudanças climáticas
Por Redação Afya

Em tempos em que as mudanças climáticas ampliam desigualdades e ameaçam diretamente a saúde de populações vulneráveis, pensar em novas formas de cuidado é urgente. Para o médico ribeirinho Fagner Carvalho, pós-graduado em Psiquiatria e Infectologia e professor da Afya, o primeiro passo é reconhecer que essas comunidades não são passivas: são agentes ativos de transformação.

“Essas populações nunca foram passivas. O que falta, muitas vezes, é espaço para que sejam ouvidas. Eu vejo protagonismo o tempo inteiro: nas parteiras que acompanham gestações com sabedoria ancestral, nos ribeirinhos que sabem qual planta usar para cada dor, nas lideranças que alertam sobre surtos de doença. O papel do médico não é substituir esse conhecimento, mas dialogar com ele”, diz.

Para Carvalho, o protagonismo em saúde já existe, mas é frequentemente invisibilizado por uma lógica assistencialista. Ele defende uma medicina mais colaborativa, em que a escuta e o respeito ao território sejam partes essenciais da prática clínica.

A importância da escuta aos saberes locais

Nas comunidades amazônicas, práticas tradicionais como o uso de plantas medicinais, benzimentos e garrafadas fazem parte do cotidiano. Longe de enxergar isso como obstáculo, o médico acredita que a segurança no cuidado nasce do diálogo.

“O uso de plantas é muito comum e não precisa ser visto como problema. Pergunto que planta usam, como preparam, com que frequência. Isso me ajuda a entender riscos e orientar com segurança. A segurança vem do diálogo. Quando o paciente vê que o médico respeita seu saber, ele também passa a respeitar o tratamento”, avalia.

Carvalho coordena o curso Saúde na Amazônia, da Afya, que busca capacitar profissionais para compreender o contexto socioambiental e cultural da região. “A integração não é misturar tudo, mas trabalhar junto. Na Amazônia, cultura é parte do cuidado”, afirma.

Leia mais: Como as mudanças climáticas podem afetar as doenças cardiovasculares

Participação real nas decisões

Mais do que informar, o médico defende incluir o paciente e sua família nas decisões de tratamento. Ele explica que cada conduta precisa ser adaptada à realidade local:

“Eu trabalho com escuta ativa. Explico o diagnóstico e as opções, mas pergunto: o que faz sentido para você? O que você consegue fazer de verdade? Não adianta prescrever dieta que exige geladeira para quem não tem energia elétrica ou pedir retorno em uma semana para quem mora longe”, diz o médico.

Ferramenta para autonomia

Para transformar essas comunidades em protagonistas do próprio cuidado, Carvalho aposta na educação em saúde feita de forma participativa. Ele cita experiências como o projeto Rios de Saúde, que capacita lideranças locais a atuarem como agentes multiplicadores: “Educação em saúde não é palestra com slide. É roda de conversa, é caminhar junto pela comunidade. Já fizemos oficinas com jovens sobre prevenção de doenças usando rap amazônico, e com parteiras, ensinando sinais de risco sem invalidar seus saberes. Quando a própria comunidade ensina a comunidade, o impacto é muito maior”.

Essas ações, segundo ele, devolvem poder às pessoas e mudam a forma como se enxergam: deixam de ser “vítimas” e passam a ser agentes de cuidado coletivo.

Desafios e caminhos possíveis

As distâncias, a falta de infraestrutura e as barreiras culturais continuam sendo os maiores entraves. Há locais em que o deslocamento até uma unidade de saúde leva mais de cinco horas de barco, e a falta de combustível ou a variação da maré inviabilizam retornos. Além disso, ainda há preconceito institucional contra os saberes tradicionais.

Para superar isso, o médico destaca a importância da escuta sensível e do trabalho itinerante, com participação de lideranças locais e agentes de saúde comunitários. “A saúde na Amazônia precisa ser flexível e construída junto com quem vive lá. Só assim conseguimos romper as barreiras e garantir cuidado real”, diz.

Um chamado à empatia

Encerrando a conversa, o Dr. Fagner Carvalho faz um convite à reflexão para médicos e gestores que atuam em qualquer parte do país:

“Escutem mais e prescrevam menos no começo. Escutem o território, as dores e os saberes locais. O cuidado de verdade começa com empatia. É preciso sair do consultório e entrar na comunidade. Só quem caminha na beira do rio entende o impacto da cheia, das queimadas, da destruição da fauna e flora.”

E conclui: “A mudança climática está aí. Se quisermos enfrentá-la, precisamos colocar essas populações no centro das decisões — não como vítimas, mas como protagonistas do cuidado, da resistência e da esperança”.

Autoria

Foto de Redação Afya

Redação Afya

Produção realizada por jornalistas da Afya, em colaboração com a equipe de editores médicos.

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