Análise crítica sobre a infusão contínua de betalactâmicos na Sepse
A infusão contínua de antibióticos betalactâmicos pode ser útil para manter níveis séricos acima da concentração inibitória mínima (MIC) para bactérias no sangue, especialmente em pacientes mais graves, onde a resolução da infecção é mais premente. Este conceito farmacodinâmico tem sido estudado nos últimos 10 anos como potencial adjuvante na melhora do prognóstico do paciente séptico, e há recomendação em guidelines, embora seja carente de melhores evidências.
Recentemente duas publicações no JAMA tiveram resultados discordantes:
- O estudo BLING III foi um estudo clínico randomizado e controlado, multicêntrico e internacional, com piperacilina-tazobactam ou meropenem por infusão contínua versus intermitente, com população de mais de 7 mil pacientes; não houve diferença estatística no desfecho primário — mortalidade em 90 dias — mas os autores não afastaram algum efeito benéfico (havia tendência a benefício de mortalidade e aumento da taxa de cura clínica das infecções em 14 dias);
- Uma meta-análise liderada por Abdul-Aziz e colaboradores reuniu 18 estudos clínicos, com certa heterogeneidade, e calculou uma redução relativa de mortalidade em até 90 dias de cerca de 14% e aumento da taxa de cura clínica de 16%.
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Neste artigo de opinião, os autores discutem as possíveis causas de efeitos da infusão contínua, seja de sucesso ou não, além da farmacologia.
Um primeiro ponto é o próprio acesso venoso, que deve ser suficientemente calibroso para a infusão intermitente e também uma linha deve estar isolada para a infusão contínua. Diversas medicações podem interagir com seu sal com a composição dos antibióticos betalactâmicos, e eventualmente precipitar na via de administração. Diluentes compatíveis, taxas de velocidade e concentrações dos antibióticos devem ser revistos e padronizados para as infusões intermitentes ou contínuas. E ainda por cima, os mesmos antibióticos podem ter composições diversas se variam de fabricantes, o que pode ser comum também em medicações por via oral. Logo, a visualização de bula e a compatibilidade com outras medicações deve idealmente ser revisada por farmácia clínica.
Se a infusão isolada de via para antibiótico é necessária, seria desejável ter um cateter com múltiplas linhas, o que é um dos principais riscos de bacteremia associada a cateteres venosos.
A estabilidade do antibiótico também é questionável, porque estas medicações foram criadas e testadas com infusões rápidas, de cerca de 30 a 60 minutos, e os estudos de infusão contínua são com a premissa de níveis séricos acima da MIC, mas se esquecem se há estabilidade em solução por um tempo prolongado e temperaturas variáveis durante as 24 horas. Tal instabilidade em solução pode reduzir o efeito terapêutico ? Não se sabe ao certo.
Doses terapêuticas infundidas em 24 horas podem teoricamente aumentar o risco de toxicidade, talvez com derivados das drogas (meropenem é um carbapenêmico que pode reduzir o limiar de crises epilépticas).
Enquanto a piperacilina-tazobactam é bastante estável em temperaturas de 25 graus Celsius por 24 horas, a sua viscosidade pode ser um fator limitante; já o meropenem é menos estável, e não deve ser diluído com soro glicosado — é comum que se indique a infusão prolongada por até 3 horas ao invés de ser contínua.
Por último, mas não menos relevante: o uso de infusão contínua é por bomba infusora e equipo de soro próprio, aumentando o custo do tratamento — questão crítica em muitos hospitais de menor orçamento. E se o paciente está usando a infusão contínua pode ser um dos fatores para permanência na UTI por mais tempo, o que também onera o custo total do tratamento.
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Concluindo, os efeitos da decisão de se infundir um betalactâmico de forma contínua ou intermitente na sepse envolve diversas questões, que vão além da farmacologia. A realidade local e o “case mix” da população da UTI devem ser considerados pela equipe da UTI e de infectologia para se tomar a melhor decisão.
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