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Terapia Intensiva15 novembro 2024

CBMI 2024: As definições da sepse ao longo do tempo

A conferência com o Professor Singer trouxe reflexões interessantes sobre as mudanças de definição de sepse ao longo do tempo.

O Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI 2024) teve como um dos temas de maior destaque a sepse. A conferência “Defining Sepse – past, present and future… how the definition of sepsis has evolved over a thousand of years” trouxe reflexões interessantes sobre os impactos das definições ao longo do tempo.

médico estudando definições de sepse

Definições de sepse

O Professor Singer participou das últimas reuniões de consenso do Surviving Sepsis Campaign, inclusive de 2016 e 2021, e debateu a evolução das definições de sepse ao longo do tempo.

Inicialmente, ele visitou possíveis definições antigas, por exemplo de Burdon Sanderson na revista Lancet de 1877, que já observava que em estudos experimentais com roedores, as bactérias pareciam ser importantes para a origem da infecção, mas o agravamento seria por uma substância irritante ou um veneno “séptico”.

William Osler, o pai da medicina moderna, também chamou de septicemia o processo que vinha muito mais frequentemente de enfermarias clínicas do que as cirúrgicas e ginecológicas, numa razão de 15-20 para 1 caso post-mortem. A infecção era definida com a presença de microrganismos presentes, com acometimento local ou generalizado, como o antraz. E poderia haver intoxicação, oriunda das infecções por estes microrganismos que secretaria toxinas: era uma alusão aos produtos PAMPs (pattern recognition receptors) e DAMPs (Damage-associated molecular patterns), que são fundamentais para que as células de defesa imune reconheçam a presença da invasão destes microrganismos.

Por fim, Osler inclusive observou que as infecções “terminais” raramente ocorrem por outras infecções secundárias, mas sim por efeitos mais tardios com doenças cardíacas ou renais. Elas poderiam ser causadas por estreptococos, pneumococos, estafilococos, e até Bacillus pyocyaneus (que posteriormente seria renomeada Pseudomonas).

O alemão Hugo Schottmuller chamou a atenção em 1914 para que o termo sepse era muito vago, sem claras definições e consensos. Então ele sugeriu que a sepse ocorre por um sítio infeccioso, com patógenos que se disseminam e tem efeito sistêmico em órgãos periféricos.

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Consenso americano

Há um longo intervalo sobre a definição de sepse até o consenso americano de 1991, no qual Roger Bone liderou um grupo de americanos que chamou a presença de infecção e inflamação (Síndrome de Resposta Inflamatória Sistêmica – SIRS) seriam suficientes para chamar o quadro de sepse, diferenciando de outros estados inflamatórios como pancreatite, queimaduras graves e politrauma. Os termos sepse grave (com disfunção orgânica) e choque séptico também foram introduzidos. Septicemia foi abandonada.

Em 2001, uma reunião de consenso entre americanos e europeus foi realizada (o esquecido SEPSIS-2), mas não deixou nada além de uma carta com descrição de sinais clínicos, laboratoriais, hemodinâmicos e de disfunções orgânicos. Eles afirmaram que não havia ainda estudos que seriam suficientes para mudar os critérios até então existentes.

Como as definições eram amplas e pouco específicas, uma meta-análise mostrou que com critérios variáveis de choque séptico (que ainda não incluía o lactato arterial), a mortalidade da sepse também era extremamente variável, girando entre 20% e 50% (de Groot et al, 2018).

Outro fato ocorrido com as definições de 1992, foi que o número de casos reportados de sepse em grande bases de dados hospitalares americanos cresceu exponencialmente entre 2000 e 2007, talvez com redução da mortalidade hospitalar; porém não havia o que comemorar, porque os dados estavam acoplados entre maior “report” de casos e maior números de sobreviventes mas também mais não sobreviventes. Ou seja, as definições foram mais reconhecidas, sem significativa redução de mortes.

Sepsis-3

As novas definições do Sepsis-3, de 2016, foram as que trouxeram os critérios de SIRS e o termo sepse grave. O escore SOFA maior que 2 pontos, associado à presença de infecção, define um caso de sepse, sendo necessária sempre ter disfunção orgânica. Estas definições são mais específicas, e várias evidências de países desenvolvidos (Estados Unidos e Alemanha) e de menor renda (Brasil, Turquia, Coreia e Etiópia) mostraram taxas de mortalidade de sepse em torno de 25% e de choque séptico de 50%. É possível que as novas definições tenham trazido mais uniformidade global para o diagnóstico de sepse.

Outro fato salientado por Singer foi que a codificação da sepse em sistemas de saúde também era de interesse financeiro para muitos hospitais, já que o pagamento de casos de sepse é maior que casos de infecções específicas, como pneumonia comunitária. Parece haver influência deste interesse de maior financiamento quando se determina a causa principal de internação, citando Rhee et al, 2017. A comparação de análise de contas e de revisão de prontuários por clínicos resultou em aumento de casos em contas mas estabilidade de casos definidos clinicamente.

E o futuro?

A perspectiva é de evoluir as definições de sepse (Sepsis-4?) para analisar fenótipos de pacientes, com variedade de patógenos, de sítios de infecção, idade, sexo, comorbidades e fatores ambientais, que são diferentes em gravidade e de prognóstico diverso.

Testes diagnósticos, como biomarcadores, poderiam ajudar a definir, principalmente para a presença de patógenos, porque a ausência destes microrganismos em culturas (cerca de 60% a 70% dos casos) limita a confirmação de sepse e existem diversas síndromes e doenças que mimetizam sepse. Testes rápidos com técnica de reação de cadeia de polimerase (PCR) em tempo real são promissores para confirmar ou afastar diagnósticos de infecção.

Acompanhe o CBMI 2024 com a gente!

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