CBMI 2024 - Prognóstico de doenças crônicas em UTI
A doença pulmonar obstrutiva crônica (DPOC) é a 3a causa mais comum de morte no planeta. Pacientes com DPOC apresentam diferentes gravidades e momentos da doença: a maior parte das descompensações são infecciosas, mas quanto mais frequentes é possível que o quadro esteja mais avançado. A classificação Global Initiative for Chronic Obstructive Lung Disease (GOLD) é muito usada para definir o grau/estágio da doença. A GOLD define DPOC como “a condição pulmonar heterogênea, caracterizada por sintomas crônicos em consequência de anormalidades na via aérea e/ou alvéolos, levando à obstrução persistente e comumente progressiva no fluxo aéreo”. A espirometria é o exame complementar mais usado para graduar o quadro: VEF1 abaixo de 30% do predito é classificado como GOLD 4 e é o estágio mais grave. Neste nível, o quadro é predominante de dispneia em repouso e com necessidade de oxigênio suplementar parcial ou contínuo durante as 24 horas. Outros sintomas como anorexia, fadiga, associação com outras comorbidades também agregam outros fatores de pior prognóstico. Outra avaliação simples e útil é a escala de dispneia do Modified Medical Research Council (mMRC): quanto mais dispneia e ao menor esforço, maior a pontuação, que vai até 4 pontos. As internações não programadas, como exacerbações da doença, também reduzem a funcionalidade e denotam pior prognóstico. Dra Tomotani falou que as decisões sobre limitação de terapia são difíceis e devem ser compartilhadas com médico assistente; um eventual transplante de pulmão pode ser considerado, mas raramente está disponível na realidade brasileira.
Outra doença incapacitante é a insuficiência cardíaca (IC). Assim como a DPOC, existem escalas também que classificam e definem o estágio da doença: Heart failure survival score, Seattle Heart Failure model, EVEREST risk model, EFFECT, ADHERE, ESCAPE discharge score. As variáveis giram em torno da idade, pressão arterial, frequência cardíaca, presença de outras comorbidades, sódio sérico, creatinina sérica, anemia, uso de medicações (beta-bloqueadores, diuréticos de alça, etc) e até teste de caminhada de 6 minutos. O Dr Sperandio mostrou uma escala fácil e aplicação rápida: Rajan´s Heart Failure risk calculator, com fração de ejeção, taxa de filtração glomerular, hemoglobina sérica e nível de NT-proBNP. Em artigo recente de prognóstico de pacientes com IC, Rammos et al (Journal of Clinical Medicine 2024) demonstrou que vários escores de gravidade fazem previsão de mortalidade, incluindo APACHE II, GRACE e Emergency heart failure mortality risk grade (EHMRG), mas nada é tão grave quanto a necessidade de ventilação mecânica invasiva – aí a mortalidade passa de 70%. Novamente os novos “devices” cardíacos são pouco disponíveis e o transplante é infrequente.
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A mesa mudou de figura quando se debateu as próximas 2 patologias: insuficiência renal crônica e cirrose hepática. Existe maior disponibilidade de doação de órgãos e os transplantes renais e hepáticos são bem mais frequentes. Por esta razão, o debate em torno destes pacientes é mais amplo, com possibilidade real de cura se conseguimos melhorar o paciente e dar alta para possível listagem em fila de transplantes. É claro que a mortalidade é maior que a prevista em escores comuns de gravidade na UTI, como APACHE e SAPS.
A insuficiência renal crônica reduz em 2 anos a expectativa de vida, mesmo que se faça diálise crônica. As principais causas de admissão em UTI são: infecções/sepse, descompensação cardíaca e sangramento. A mortalidade gira em torno de 14% a 56% nas séries de casos (Thompson et al, 2012), mas é menor que pacientes com injúria renal aguda. O prognóstico é pior para pacientes cirúrgicos que têm insuficiência crônica, com aumento de até 3 vezes a chance de morte. O Dr Pedro Tulio comentou que a pandemia de Covid-19 foi especialmente difícil para esta população, porque não havia como fazer isolamento social, já que era necessário ir na clínica de diálise algumas vezes por semana. Conseguiu-se a vacinação antes de outras doenças em alguns Estados brasileiros, mas a mortalidade foi grande, mostrando que é população vulnerável a epidemias.
E a hepatopatia crônica também foi abordada pela Dra Alicia Oliveira. Há descompensação com infecções, ascite, sangramento digestivo, encefalopatia, disfunção renal e necessidade de cirurgias de urgência ou mesmo eletivas. Um subtipo de dúvida frequente de prognosticar é a disfunção hepática aguda em cima de crônica (“acute on chronic”) – ACLF. Há diagnóstico prévio de hepatopatia, algumas vezes não reconhecido, e o paciente evolui com sinais claros de insuficiência hepática, precipitados por infecções ou intercorrências cirúrgicas. É importante classificar o grau da ACLF, de 1 a 3, dependendo do número de disfunções orgânicas presentes; o transplante pode ser alternativa. Outro escore útil é o Chronic Liver Failure Consortium (CLIF-C), mais usado atualmente que o MELD para esta população. Para doentes com cirrose já reconhecida, o grau de hipertensão portal, as complicações clássicas da cirrose (como ascite e encefalopatia) e as internações por intercorrências são determinantes do prognóstico. Existe uma janela de tempo para avaliação do transplante, que ocorre entre os períodos de estabilização do paciente entre as intercorrências clínicas, e diversas medidas são necessárias: expansão plasmática, hemotransfusões, nutrição suplementar, paracentese, antibioticoterapia, monitoração hemodinâmica, corticoide para disfunção adrenal, vasoconstritores. O transplante pode perder sua indicação quando há outras patologias incapacitantes e irreversíveis, condições psiquiátricas, tumores malignos hepáticos, choque séptico, grau de ACLF 3 e morte encefálica. A atuação dos cuidados paliativos são infrequentes mas cada vez mais necessários para controle de sintomas e ajuda no prognóstico e na terminalidade. Prurido, sarcopenia, ascite, encefalopatia, edema, são todos sintomas difíceis de compensar e desconfortáveis para doentes hepáticos, renais, cardiopatas e pneumopatas.
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