CBMI 2024 - Síndrome pós-UTI
Na sessão temática “Conduzindo a alta da criança crítica”, que ocorreu durante o XXIX Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI) 2024, o Dr. Heraldo Valladao (Belo Horizonte/MG) foi o palestrante do tópico “Síndrome pós-UTI”.
Para ilustrar, ele contou a história (fictícia) de Wanda Maximoff, uma criança que perdeu os pais devido a um ataque em sua casa durante um período de guerra e precisou se refugiar em outro país. Ao longo dos anos, a criança desenvolveu alucinações e tendências violentas. Na verdade, Wanda é a Feiticeira Escarlate do Universo Marvel. Mas foi um exemplo que mostra o quanto determinados eventos que acontecem em nossas vidas, como guerras e perda de entes queridos, por exemplo, estão relacionados a um trauma.
O palestrante destacou que, no hospital, não é diferente. O que uma criança precisa para se desenvolver bem? Carinho, amor, atenção, abrigo, brincadeiras, interação, sociabilidade, descanso, repouso, sono… Crianças internadas também! E por que na Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) tratamos nossas crianças de forma tão diferente? Suas famílias, muitas vezes, estão estressadas, moram longe da instituição e acabam deixando outros filhos em casa. Portanto, internações prolongadas podem transformar completamente as vidas das famílias e complicações decorrentes da chamada “síndrome do estresse pós-traumático” estão sendo cada vez mais discutidas no âmbito da terapia intensiva pediátrica. Quem sofre desta síndrome passou por um evento traumático em que uma das seguintes situações estava presente: experimentou, testemunhou ou foi confrontada por este evento (ou vários eventos). A resposta a esses eventos é, frequentemente, medo intenso, horror ou sentimento de inutilidade frente à situação. “E quantas vezes as nossas crianças enfrentam a morte? Quantos pais se angustiam ao ver seus filhos experimentando a sensação de morte?”
Saiba mais: Visitas estendidas em UTI e redução de estresse pós-traumático
Vários estudos vêm sendo publicados abordando este tema em UTIP. O Dr. Heraldo mencionou o ilustre artigo de Joseph Manning e colaboradores (2018) sobre a estrutura da Síndrome Pós-Cuidados Intensivos em Pediatria (Post Intensive Care Syndrome in Children – PICS-p). Neste conceito, a criança grave se apresenta na UTIP exibindo níveis variados de saúde, e essa criança vivencia a UTIP com sua unidade familiar, que inclui pais e, muitas vezes, os irmãos. Na verdade, o que acontece é que todos acabam vivenciando a UTIP e essa família também precisa de atenção. A trajetória de recuperação não é linear, pode haver uma reinternação, prejudicando a criança e sua família com um todo. Há um ciclo em que giram questões físicas, cognitivas, emocionais e sociais que podem ter consequências não somente no curto, mas também no longo prazo.
Ao longo dos últimos anos, a terapia intensiva pediátrica vem se desenvolvendo e uma nova preocupação surgiu com esta evolução. Antigamente, o objetivo era que os pacientes sobrevivessem. Hoje, o foco é que eles sobrevivam sem sequelas e com melhor qualidade de vida. O palestrante comentou, então, sobre as “revoluções” na terapia intensiva pediátrica de acordo com o pesquisador Joseph Manning. Na primeira revolução, durante a década de 1970, as UTI lutavam contra a mortalidade. A segunda revolução veio com os cuidados paliativos, isto é, como poderíamos dar uma qualidade no final de vida para os pacientes e suas famílias. A terceira revolução consiste em possibilitar a funcionalidade dos pacientes após a internação na UTI e como será o emocional do paciente e de sua família.
Infelizmente, muitas práticas para permitirem melhorias nos cuidados como um todo exigem mudança de culturas nas UTI. Mas mudar culturas é um grande desafio. O Dr. Heraldo ressaltou a importância de se ter líderes engajados que possam conduzir essas mudanças. A reabilitação do paciente deve ser almejada logo no momento em que esse paciente interna. E por falar em líderes, ele elogiou bastante os trabalhos de Joseph Manning (enfermeiro britânico) e Karen Choong (pediatra canadense), convidando a plateia a ler seus artigos e a seguir suas respectivas redes sociais.
Para finalizar, ele nos mostrou a atual estrutura do PICU Liberation, que consiste em uma iniciativa da Society of Critical Care Medicine (SCCM) para “liberar” o paciente o mais rápido possível da UTIP. Originalmente, o PICU Liberation é formado pelas abordagens presentes no pacote de medidas ABCDEF Bundle, mas há a proposta da inclusão das letras G e H da seguinte forma:
- Assess, Manage and Prevent Pain (Manejo e controle da dor);
- Breathing (Respiração espontânea);
- Choice of Sedation (Escolha da sedação);
- Delirium;
- Early Mobilization (Mobilização precoce);
- Family Engagement (Engajamento familiar);
- Good Nutrition (Boa nutrição);
- Humanism (Humanização do cuidado).
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