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Terapia Intensiva28 agosto 2025

Existe pré-sepse? Um novo conceito com potencial

Estudo propôs o conceito de pré-sepse para permitir diagnóstico precoce e intervenções antes da falência orgânica
Por André Japiassú

A sepse é uma condição com risco de vida, causada por uma resposta imune desregulada a uma infecção, levando à disfunção orgânica e alta mortalidade. Apesar dos avanços no tratamento, a sepse continua sendo um tremendo desafio para os serviços de saúde, com aproximadamente 50 milhões de casos e 11 milhões de mortes no mundo inteiro anualmente. Há também heterogeneidade da distribuição, incidência e prognóstico dependendo se os países são de renda alta ou baixa. A definição atual de Sepse é de 2016, que enfatiza a disfunção orgânica, pode ser tardia para intervenções eficazes. Isso pode explicar a falta de novas terapias e os desafios na imunoterapia, já que inúmeros trabalhos de antigas e novas terapias têm tido resultados negativos nos últimos 10 anos. 

Os autores do artigo fazem uma “provocação” neste sentido: será que a definição atual atrasa o diagnóstico e o tratamento? Se a síndrome é reconhecida apenas com disfunção orgânica estabelecida, não estamos presenciando somente os casos mais avançados? 

A proposta do conceito de “Pré-Sepse”: 

O artigo propõe focar no que se chama provisoriamente de “pré-sepse”. A desregulação imune precoce surge antes que ocorra dano orgânico significativo. O reconhecimento dos patógenos é realizada através de antígenos e receptores nas superfícies das células de defesa, como linfócitos, macrófagos e neutrófilos. Essa fase representa a resposta inicial do hospedeiro à infecção, com sinalização através da produção e liberação de citocinas e indução de enzimas como a óxido nítrico sintetase e heme-oxigenase-1 (que produz monóxido de carbono). Este processo precede a sepse e, portanto, a disfunção ou falência orgânica. 

A hipótese é que todos nós tenhamos uma reserva fisiológica para reação à invasão do patógeno, que varia de acordo com a idade (imatura em neonatos e senescente em idosos). O tempo de exposição e a carga de patógenos também influenciam o esgotamento da resposta do hospedeiro. No fim das contas, o balanço entre a intensidade do insulto infeccioso e a habilidade do hospedeiro de sustentar a homeostasia é fundamental para definir a resolução ou o agravamento do quadro e finalmente a incidência de sepse (com disfunção orgânica). 

Portanto, este conceito de “pré-sepse” reflete o esgotamento progressivo das reservas funcionais do hospedeiro, com variabilidade individual. A sepse ocorre quando essas capacidades adaptativas são sobrecarregadas. 

Nasce o conceito de endotipo: indivíduos são diferentes, com comorbidades, sítios de infecção e patógenos que variam: 

  • Crianças tenras, até meses de idade, apresentam infecções por Streptococcus agalactiae, Escherichia coli e Listeria sp, com infecções por acessos venosos ou verticais a partir das mães, têm padrão de citocinas com níveis altos de IL-10, disfunção respiratória e sinais vitais pouco alterados e tendência a sangramento; 
  • Idosos são mais propensos a infecções respiratórias e urinárias e até cutâneas, têm elevação de citocinas como IL-1 e IL-6 e mantêm inflamação mais arrastada, com disfunções neurológica, renal e cardiovascular (com bradicardia relativa por vezes) e tendência a trombose; 
  • Um trabalho observacional (Bhavani et al, 2019) acompanhou a trajetória da temperatura corporal na evolução de infecções e o grupo de pacientes que morreram tinham resposta mais tardia e prolongamento de febre por mais de 36-48 horas e pacientes hipotérmicos apresentaram pior prognóstico – isto demonstra fenótipos diversos de sepse. 

Saiba mais: Protocolo de sepse no atendimento pré-hospitalar

Por que vale a pena experimentar este conceito? 

Portanto, quando falamos de uma população com Sepse, na verdade estamos analisando e tratando um grupo muito heterogêneo de pacientes. Talvez esta hipótese explique a falta de resposta a alguns tratamentos, como corticoides na sepse e mesmo alterações e modulação de microbiota intestinal (seleção de antibióticos empíricos, probióticos e descontaminação seletiva de trato digestivo). Então, o reconhecimento da pré-sepse poderia antecipar condutas? 

  1. Intervenção Precoce: ao focar na “pré-sepse” e desenvolver ferramentas para detectá-la, os médicos poderiam intervir mais cedo, potencialmente prevenindo a progressão para sepse; 
  2. Tratamentos Personalizados: pode levar a melhores resultados e tratamentos mais personalizados, visando vias imunes específicas adaptadas aos perfis dos pacientes; 
  3. Melhoria de prognóstico: com detecção precoce e a caracterização da “pré-sepse” para delinear a janela terapêutica; 
  4. Alinhamento com endotipos: subgrupos de pacientes com características fisiopatológicas compartilhadas; pode ajudar a agrupar pacientes com trajetórias comuns para tratamentos direcionados. 

Um exemplo teórico é o comportamento do monóxido de carbono (CO) na sepse: seus níveis aumentam na sepse e indivíduos que sobrevivem apresentam níveis mais elevados, indicando propriedades anti-inflamatórias protetoras. Será que a terapia com CO precoce evitaria disfunções orgânicas? 

Por fim, os autores propõem uma mudança de paradigma na abordagem das infecções graves: o foco pode ser deslocado para a fase de “pré-sepse” para permitir intervenções mais precoces e individualizadas. 

Mensagens para o dia-a-dia: 

  • A pré-sepse poderia ser uma antecipação do agravamento de infecções potencialmente graves, levando a intervenções mais precoces; 
  • Falta encontrar nichos de populações específicas para tratamentos mais direcionados nesta fase de pré-sepse e mudar o paradigma para enfatizar o período antes das disfunções orgânicas já estabelecidas. 

Autoria

Foto de André Japiassú

André Japiassú

Doutor em Ciências pela Fiocruz. Mestre em Clínica Médica pela UFRJ. Especialista em Medicina Intensiva pela AMIB. Residência Médica em Medicina Intensiva pela UFRJ. Médico graduado pela UFRJ.

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