Os agentes fibrinolíticos são usados em doenças trombóticas, principalmente na fase mais aguda, como acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi), infarto agudo do miocárdio (IAM) e tromboembolismo pulmonar (TEP). Eles são serinas proteases, que convertem plasminogênio em plasmina, que atua quebrando a fibrina que forma os trombos. Quanto mais recente o trombo, maior a eficácia dos agentes fibrinolíticos. São dois tipos de agentes: inespecíficos (estreptoquinase) e específicos (alteplase, tecneteplase e reteplase). A estreptoquinase foi o primeiro a ser usado em casos de IAM, e pode causar mais alergias e produção de anticorpos, sendo evitada em um segundo evento trombótico em até 6 meses; também está associada com maior incidência de eventos hemorrágicos. Atualmente, os agentes fibrino-específicos são preconizados na terapia mais aguda das 3 patologias acima citadas. Veja as características dos principais agentes fibrinolíticos abaixo:
|
Estreptoquinase |
Alteplase (tPA) |
Reteplase |
Tenecteplase |
Especificidade para a fibrina |
Não |
Sim | Sim | Sim |
Capacidade antigênica | Sim | Não | Não | Não |
Meia-vida |
18-25 minutos |
4-6 minutos |
13-16 minutos |
20-24 minutos |
Risco de sangramento |
Alto |
Médio |
Baixo |
Baixo |
Todos os fibrinolíticos estão aprovados para tratamento de IAM, mas somente alteplase para AVEi e TEP; estudos mais recentes sugerem não-inferioridade da tenecteplase para AVEi e TEP.
Esta primeira parte abordará o uso de fibrinolíticos em pacientes com AVEi na emergência.
Objetivos e Metodologia:
A revisão destes autores foi narrativa, mas eles fizeram uma pesquisa bibliográfica semelhante a uma revisão sistemática, procurando artigos nas bases Pubmed e Google Scholar, com termos “trombólise”, “trombolíticos”, “fibrinólise” e as três patologias acima citadas. Todos os artigos incluídos continham 3 critérios:
- Investigação de uma das três doenças – AVEi, IAM e TEP;
- Tratamento primário com fibrinólise;
- Relevância para avaliação e tratamento na emergência.
Um total de 153 artigos foram selecionados para esta extensa revisão.
Acidente vascular encefálico isquêmico (AVEi):
O racional na isquemia cerebral é tentar abrir e reperfundir o vaso afetado pelo trombo o mais rápido possível. O tecido cerebral é altamente sujeito a lesão isquêmica e a morte dos neurônios na área afetada pode causar danos irreversíveis e sequelas. Portanto, a janela terapêutica para trombólise é curta. O tPA é aprovado pelo órgão de aprovação americana para medicamentos (FDA) para AVEi dentro de 3 a 4,5 horas do início dos sintomas. A dose preconizada é de 0,9 mg/kg, com 10% da dose administrada em bolus de 1 minuto e o restante em até 1 hora. No Japão, a dose é até menor – 0,6 mg/kg, preconizada nas diretrizes locais. As diretrizes da American Heart Association e American Stroke Association apoiam o uso de fibrinolíticos, embora a literatura seja controversa: dois estudos (NINDS-II e ECASS-III) mostraram benefício da trombólise, com redução absoluta de dano neurológico em 12% e 8%. Mas seis estudos não mostraram benefícios e mais cinco estudos tiveram até malefícios, com aumento de mortalidade. Há muita heterogeneidade entre os estudos. Só para constar, o NINDS foi um estudo dividido em 2: o primeiro não demonstrou benefício em melhora neurológica e morte (combinados); o segundo mostrou benefício, com NNT de 8 (!) mas com mudança de objetivo para patamar de 20% de diferença do escore de alterações neurológicas. O ECASS também foi publicado em mais de 1 fase, com progressivo encurtamento da janela terapêutica até 3 a 4,5 horas (anteriormente o ECASS-II não teve resultados positivos com janela mais curta de 3 horas).
Um assunto ainda não bem resolvido é o chamado wake-up stroke, aquele em que o paciente acorda com sintomas neurológicos súbitos e não se sabe ao certo o último momento de normalidade. Muitos emergencistas tentam a terapia fibrinolítica mas precisam de exame de ressonância magnética do crânio com fases fluid-attenuated inversion recovery (FLAIR) e diffusion-weighted imaging (DWI): pode-se mostrar desequilíbrio entre área isquêmica e de penumbra, deixando esperança de fazer trombólise para incrementar perfusão desta última área. Embora haja cerca de 38% de chance de melhora neurológica, a mortalidade quase dobra (de 3% para 6%), provavelmente porque pode haver maior risco de sangramento intracraniano (de 1% no placebo para 3% com tPA).
Muitos estudos demonstraram malefício, principalmente de sangramento intracraniano – NNH de 20, ou seja, 1 paciente afetado para cada 20 tratados com tPA. O fato é que o uso de estreptoquinase não teve benefícios (estudos mais antigos) e pode causar mais sangramentos. Ainda é necessário se testar a tenecteplase em estudos maiores.
A tenecteplase está sendo usada como fibrinolítico de eleição em alguns centros de referência. Uma meta-análise recente (Yao e cols.) mostrou dois aspectos relevantes: a dose inicialmente preconizada de 0,4 mg/kg esteve associada com sangramento cerebral e por isso a dose mais usada agora é de 0,25 mg/kg; e a eficiência em termos de recuperação neurológica, reperfusão de grandes vasos, sangramento cerebral e mortalidade em 3 meses são semelhantes entre tenecteplase e alteplase. A única diferença que alcançou significância estatística foi a recuperação neurológica “excelente” (escala de Rankin modificada de 0 ou 1 ponto), com razão de chances de 1,18 na reunião de dados de 953 pacientes de 4 estudos clínicos randomizados. Como esta é uma análise de subgrupo, o resultado é duvidoso para ser aplicado como definitivo.
Alguns cuidados são fundamentais para este tratamento:
- A primeira alteração/sinal neurológico não deve passar de 270 minutos (4,5 horas);
- A primeira tomografia de crânio não pode mostrar sangramento;
- Atenção para contraindicações formais: tumores intracranianos ou medulares, passado de AVE hemorrágico, AVEi nos últimos 3 meses, alto risco de sangramento gastrointestinal, cirurgias recentes (principalmente 2 semanas), plaquetopenia grave, discrasia sanguínea, uso de anticoagulantes orais;
- Um escore de sintomatologia com alta pontuação (NNISS), por exemplo acima de 25 pontos, pode ser uma contraindicação relativa e talvez o paciente seja referenciado para trombectomia mecânica imediatamente;
- A administração de fibrinolíticos para AVEi requer que a pressão arterial seja ≤185/110 mmHg;
- A pressão arterial deve ser mantida abaixo de 180/105 mmHg por 24 horas após o fibrinolítico, por isso a observação em UTI ou unidades de “stroke” é mandatória;
- Anticoagulantes e antiplaquetários só devem ser usados após 24 horas;
- Procedimentos invasivos também devem ser evitados neste período, com exceção de trombectomia em casos de oclusão de grandes vasos na qual não houve sucesso do fibrinolítico ou ele foi contraindicado.
As principais complicações incluem:
- Hemorragia intracerebral (HIC);
- Outros sangramentos sistêmicos;
- Angioedema:
– Este é mais comum contralateral ao hemisfério afetada pela isquemia, pacientes recebendo enzimas conversoras de angiotensina e com envolvimento frontal ou de ínsula;
– O tratamento é de reação alérgica, com manutenção de via aérea pérvia, adrenalina subcutânea ou intramuscular, anti-histamínicos e corticoide.
Mensagens para o dia-a-dia:
- Agentes fibrinolíticos são medicamentos considerados para a fase hiperaguda de doenças trombóticas, principalmente nas primeiras horas, já que são mais eficientes em trombos “frescos”;
- Atualmente os agentes fibrina-específicos são preconizados, sendo a alteplase mais usada;
- O uso no AVEi deve ser decidido em até 4,5 horas, se considerando a sintomatologia, os benefícios que podem advir e também as contraindicações para a terapia;
- Quando o paciente é candidato para fibrinólise, a administração deve ser realizada prontamente no setor de emergência, com posterior admissão em UTI para monitoramento.
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