Guidelines sobre cuidados de fim de vida e cuidado paliativo na UTI
Uma boa parte das mortes nas UTIs ocorre após decisões sobre limitação de tratamentos e suportes de vida a pacientes com estado grave de adoecimento e falta de benefício destas terapêuticas. O momento de tomada de decisão de virada de tratamento curativo para cuidados de fim de vida é muito variável e difícil de prever na maioria dos casos; as decisões envolvem não início ou progressão de terapias ou mesmo suspensão destas. Vários fatores podem influenciar este turnpoint, incluindo aspectos clínicos da doença aguda, de comorbidades avançadas, culturais, religiosos, sociais e até econômicos. Além da tomada de decisões, outros pontos como surgimento de conflitos, falhas de comunicação, bem-estar da família e dos profissionais de Saúde também devem ser considerados na ampla discussão sobre Cuidados Paliativos.
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Neste guideline, os autores reuniram 19 experts em cuidados paliativos, participantes da Sociedade Europeia de Cuidados Intensivos, separando sete domínios para definir perguntas e procura de evidências de literatura para as respostas. Houve classificação das evidências, sendo recomendações fortes se houvesse estudo clínico controlado ou fracas com estudos observacionais e sugestões se não se achasse estudos relacionados ao domínio e ficasse com a opinião de experts.
Veja abaixo a tabela com resumo das recomendações para cuidados de fim de vida:
Domínio |
Recomendação/Sugestão |
Nível de evidência |
Diversidade sobre cuidados de fim de vida em diferentes países |
Regulações nacionais sobre limite de suporte à vida (limitação ou retirada) podem ajudar cuidados de fim de vida; países sem regulamentações podem sofrer com heterogeneidade de condutas; experts opinam que países mais ricos têm melhores condições de ambientes para Cuidados Paliativos. |
Sem nível de evidência (um estudo multicêntrico com questionário) |
Tomada de decisão: intervenções com instrumentos de preferências e objetivos do cuidado melhoram desfechos de cuidados de fim de vida; estratégias estruturadas de seleção de pacientes para limitações de suportes podem melhorar desfechos; estes instrumentos podem reduzir desconforto e burnout na equipe multidisciplinar que lida com pacientes com indicação de cuidados paliativos |
Os membros da família devem ter entendimento suficiente da situação do paciente para situar os objetivos de cuidados; instrumentos adjuvantes de tomada de decisão podem auxiliar; comunicação e suporte estruturado podem ser oferecidos para o familiar ou responsável pelo paciente para reduzir luto, ansiedade e desordem de estresse pós-traumático*; estes instrumentos estruturados podem auxiliar na redução de insatisfação da equipe multidisciplinar diante do paciente com pior prognóstico e indicação de limite de suporte. | *Nível fraco de evidência (estudos observacionais); restante sem nível de evidência, se baseiam em opiniões de experts. |
Cuidados paliativos: consulta com especialistas em paliativos, com instrumentos estruturados e protocolos com avaliação de terapias envolvendo condições, prognóstico e objetivos avançados de vida |
Instrumentos validados de avaliação de sintomas (ex. dor) podem aliviar sofrimento e incrementar o tratamento paliativo*; consulta com especialista de pacientes com alto risco de morbimortalidade, conferência familiar com suporte protocolar, e revisões regulares da necessidade de proporcionalidade de intervenções em pacientes candidatos a fim de vida devem ser realizados entre equipe multidisciplinar e membros da família, reduzindo procedimentos desnecessários e tempo de permanência em UTI. |
*Nível fraco de evidência (estudos observacionais); restante sem nível de evidência, se baseiam em opiniões de experts. |
Comunicação: programa de educação da equipe da UTI*; material auxiliar (vídeos, website, brochuras) #; intensivistas treinados em cuidados paliativos *; abordagem estruturada de encontros entre família e equipe da UTI* |
Materiais acessórios para melhorar a comunicação entre time multidisciplinar e familiares melhoram desfechos e incrementam a comunicação oral já existente entre as partes; treinamentos sobre cuidados de fim de vida da equipe de Saúde e estruturação dos encontros com família têm menor nível de evidência mas parecem melhorar desfechos também em Cuidados de fim de vida | # Nível alto de evidência; *Nível fraco de evidência (estudos observacionais) |
Cuidado centrado na Família: esquemas de visita; presença no momento de parada cardíaca; follow-up de luto; formas de comunicação remotas; avaliação cultural do processo de morte |
# Material impresso de informações sobre luto combinado com conferência familiar antes da morte ajudam durante o processo de fim de vida; *Sugere-se não enviar condolências por cartas após morte para família; Esquemas de visita flexíveis ou abertas melhoram satisfação da família mas não alteram outros desfechos como luto e desordem de estresse pós-traumático; Familiares presentes durante reanimação cardíaca ou comunicação remota não alteraram desfechos no fim de vida. | # Nível alto de evidência; *Nível fraco de evidência (estudos observacionais); restante sem nível de evidência, se baseiam em opiniões de experts. |
Colaboração interprofissional
|
Tomadas de decisão em cuidados de fim de vida entre profissionais de diferentes habilidades não alteram desfechos. |
Sem recomendação. |
Conflitos e burnout: Estratégias de prevenção e manuseio de conflitos; prevenção organizacional e estratégias pessoais (ex. parecer de profissionais de Bioética) |
Não há evidências de qualidade para combate de surgimento de conflitos ou redução de burnout entre profissionais ou familiares durante cuidados de fim de vida; experts sugerem incremento na comunicação multidisciplinar (enfermeiros são mais suscetíveis a estas complicações) sobre cuidados e objetivos de fim de vida, incluindo intervenções desnecessárias em cada caso. | Sem recomendação. |
Parece existir uma relação entre menor número de terapias de suporte à vida e respeito à autonomia do paciente e da família, e há maior satisfação das partes durante o processo de fim de vida. Também é importante levar em consideração que aspectos culturais e religiosos devem ser abordados e ajustados durante o cuidado dos pacientes.
Uma estratégia muito usada é o time-limited trial, ou seja, tentativa de tratamento limitado: todas as intervenções comuns e suportes são realizadas por curto período (geralmente 2-4 dias) e a resposta ao tratamento é observado, com ciência e concordância dos familiares. Comunicação frequente e objetivos claros de tratamento e alvos de melhoria do quadro são realizados e a tomada de decisão é acelerada, com limitação do suporte (não aumentar terapias — withholding — ou retirada parcial ou total destes suportes — withdrawal). Oito estudos observacionais mostraram encurtamento de permanência em UTIs, menor duração e intensidade de tratamento e aumento da qualidade de reuniões com famílias. Mas os experts avaliaram que o nível de evidência foi insuficiente para fazer recomendações sobre este tema.
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Concluindo, a maior parte de recomendações são de menor peso científico, por conta da escassez de estudos mais estruturados no campo da Medicina Intensiva e Cuidados Paliativos. As melhores evidências se relacionam com material auxiliar para comunicação da equipe da UTI com familiares (textos, brochuras, panfletos) para incrementar a comunicação oral e também material adicional para conferência familiar sobre cuidados de fim de vida para acompanhar o luto.
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