Revisão: PEEP na SDRA
Em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) grave caracterizada por uma heterogeneidade significativa nos padrões de lesão pulmonar, mecânica respiratória, hemodinâmica e potencial disfunção de múltiplos órgãos, é necessária uma avaliação cuidadosa dos benefícios e riscos associados à PEEP.
Como parte de uma estratégia de ventilação protetora pulmonar, a PEEP melhora a distribuição da ventilação e pode reduzir a lesão pulmonar induzida pelo ventilador (VILI). Embora diferentes métodos para titular a PEEP com base na oxigenação e na mecânica respiratória tenham sido avaliados em diversos ensaios clínicos randomizados, a estratégia ideal para melhorar os resultados clínicos permanece indefinida.
A PEEP pode promover o recrutamento alveolar e limitar o atelectrauma, reduzindo assim a heterogeneidade da ventilação e potencialmente prevenindo a VILI. No entanto, a PEEP excessiva pode resultar em VILI devido à hiperdistensão alveolar e ao aumento da transmissão de potência de energia do ventilador ao aparelho respiratório (Mechanical Power – MP) para o pulmão.
Leia também: ESICM 2023: Fluidos na síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA)
A PEEP pode afetar adversamente a hemodinâmica ao diminuir o retorno venoso, aumentar a resistência vascular pulmonar e diminuir o débito cardíaco. Estas consequências hemodinâmicas da PEEP excessiva podem aumentar a necessidade de administração de fluidos e drogas vasoativas, o que pode afetar o desfecho dos pacientes
O equilíbrio entre os benefícios e os danos da PEEP depende de seu impacto no recrutamento pulmonar, ou seja, na reaeração das regiões pulmonares mal ventiladas em resposta ao aumento da pressão nas vias aéreas. A PEEP eleva a pressão transpulmonar, aumentando o volume pulmonar em relação à capacidade residual funcional (CRF), gerando tensão no pulmão. Em casos de alta recrutabilidade, a PEEP aumenta a reaeração com mínima distensão excessiva, melhorando as trocas gasosas e protegendo contra lesões pulmonares induzidas por ventilação (VILI). No entanto, em baixa recrutabilidade, a PEEP excessiva não consegue reaerar o pulmão, resultando em distensão excessiva das áreas ventiladas, elevando o risco de VILI e comprometimento hemodinâmico.
Em pacientes com SDRA grave com comprometimento refratário das trocas gasosas ou incapacidade de fornecer ventilação protetora pulmonar, a ECMO-VV facilita as trocas gasosas e permite uma estratégia de ventilação “ultraprotetora”.
Estratégia individualizada de PEEP
A SDRA grave é caracterizada por uma heterogeneidade significativa no padrão de lesão pulmonar. Esta variabilidade, combinada com a interação de diferentes estratégias de ventilação, complica o manejo da PEEP e a definição de uma estratégia de PEEP ideal e personalizada.
A avaliação da recrutabilidade pulmonar para estimar a resposta teórica a uma PEEP mais elevada pode ser feita usando parâmetros fisiológicos (por exemplo, oxigenação, driving presure, pressão transpulmonar), manobras à beira do leito (por exemplo, relação recrutamento-inflação) e técnicas de imagem (por exemplo, tomografia computadorizada, tomografia de impedância elétrica, ultrassom). No entanto, o manejo da PEEP baseado apenas na capacidade de recrutamento pode não fornecer uma abordagem verdadeiramente personalizada para o manejo do ventilador em pacientes com SDRA grave.
O efeito da estratégia PEEP na mortalidade depende da gravidade da disfunção multiorgânica: dada à elevada prevalência de comprometimento hemodinâmico, incluindo cor pulmonale agudo, em pacientes com SDRA grave, o efeito da PEEP nas variáveis hemodinâmicas e a necessidade de medicamentos e fluidos cardioativos devem ser considerados.
O manejo com posição prona e ECMO-VV pode melhorar a função ventricular direita e otimizar a hemodinâmica em pacientes com SDRA grave. Estas estratégias podem melhorar a oxigenação, homogeneizar a pressão transpulmonar regional e potencialmente reduzir a intensidade da ventilação.
Posição Prona (PP)
As diretrizes atuais recomendam PP para pacientes com SDRA moderada a grave (PaO2/FiO2 < 150 mmHg) para reduzir a mortalidade com base nos resultados do estudo PROSEVA. Nos pacientes com SDRA mais grave com PaO2/FiO2 < 80 mmHg, tanto a PP quanto a ECMO-VV estão associadas a melhores resultados em relação ao baixo ou moderado volume corrente isoladamente.
Na posição supina, a gravidade causa um gradiente de pressão pleural vertical que reduz a pressão transpulmonar das regiões pulmonares ventral para dorsal. Este gradiente de pressão pleural é exacerbado em pacientes com SDRA grave pela pressão do pulmão edematoso, sedação e bloqueio neuromuscular, levando ao colapso dos alvéolos dorsobasais e à falta de homogeneidade da ventilação.
A PP alivia o gradiente de pressão pleural ao reduzir a força compressiva do mediastino, resultando em uma distribuição mais uniforme da pressão expiratória e inspiratória final regional e, portanto, na ventilação.
ECMO-VV
Em pacientes com SDRA mais grave e comprometimento refratário das trocas gasosas, definido pelos critérios de elegibilidade do estudo EOLIA (PaO2/FiO2 < 50 mmHg por > 3 h, ou PaO2/FiO2 de < 80 mmHg por > 6h, ou pH < 7,25 com PaCO2 ≥ 60 mmHg por > 6h, com frequência respiratória > 35 respirações/min e configurações de ventilação mecânica ajustadas para manter uma pressão de platô ≤ 32 cmH2O), ECMO-VV é recomendado de acordo com as diretrizes atuais. O circuito extracorpóreo facilita as trocas gasosas ao mesmo tempo em que emprega uma estratégia de ventilação “ultraprotetora” que visa alcançar o “repouso pulmonar.
Reduzir o estresse e a tensão pulmonar, diminuindo o volume corrente, a frequência respiratória e as pressões nas vias aéreas, minimizando assim a transferência de energia para o parênquima pulmonar inflamado.
Saiba mais: Alvo de SatO2 em ECMO
O manejo em pacientes com SDRA grave submetidos a ECMO-VV são: (1) Proteção pulmonar para minimizar VILI; e (2) Redução do impacto hemodinâmico da ventilação mecânica para otimizar o DO2.
A adoção de uma estratégia ventilatória menos invasiva e com níveis moderados de PEEP para promover o “repouso pulmonar” pode proporcionar um equilíbrio favorável entre a proteção pulmonar e a função cardiopulmonar.
Outro aspecto a considerar ao utilizar níveis moderados de PEEP durante ventilação “ultraprotetora” nos pacientes com SDRA mais grave é a presença de fechamento completo das vias aéreas, o que pode confundir avaliações da mecânica respiratória e contribuir para atelectasia por desnitrogenação.
A ELSO (Extracorporeal Life Support Organization) recomenda níveis de PEEP entre 10 e 24 cmH2O, mantendo uma pressão de platô inspiratório inferior a 25 cmH2O. Apesar de ainda muito variável nos diversos centros, um nível moderado de PEEP (10 a 15 cmH2O), como parte de uma estratégia de “repouso pulmonar”, pode ser apropriado para este subgrupo de SDRA para minimizar VILI, manter a estabilidade hemodinâmica e otimizar o DO2.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.