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Oncologia17 setembro 2025

Diretrizes 2025 para manejo do carcinoma de endométrio

Diretrizes 2025 enfatizam classificação molecular, tumor board e triagem de Lynch para decisões personalizadas no carcinoma de endométrio.

O carcinoma de endométrio é um dos cânceres femininos mais incidentes e com tendência de crescimento, impulsionado pelo envelhecimento populacional e pela obesidade. Em 2020, estimaram-se 417 mil casos novos e 97 mil mortes no mundo; só na Europa, foram 124.874 casos e 30.272 óbitos em 2022, com variação importante de prevalência entre os países. Além disso, a Europa já contava, em 2020, com cerca de 123 mil sobreviventes nos dois anos mais recentes, 159 mil entre dois e cinco anos, e 650 mil com mais de 5 anos após o diagnóstico, formando uma população heterogênea, com grande proporção de pacientes ≥75 anos, em que comorbidades e síndrome metabólica pesam no desfecho global. Importante lembrar que a idade por si só é fator prognóstico; quanto mais avançada, maior a chance de tumores agressivos e piores resultados oncológicos. 

Nesse cenário, reduzir variação de condutas e transformar biologia tumoral em decisões clínicas reprodutíveis é decisivo. A atualização ESGO-ESTRO-ESP 2025 faz exatamente isso: incorpora o estadiamento FIGO 2023, que trouxe a biologia para dentro do estadiamento, e expande recomendações para diagnóstico, tratamento, seguimento e educação da paciente. É um convite para falar a mesma língua em tumor board, patologia, cirurgia, radiologia e oncologia clínica, com foco em desfechos e qualidade de vida. 

carcinoma

Desenho metodológico 

As diretrizes são um Policy Review (revisão de políticas) baseada em evidências, publicado no Lancet Oncology, resultante do trabalho integrado de ESGO, ESTRO e ESP. O desenvolvimento seguiu etapas explícitas: busca sistemática, avaliação crítica e redação por um grupo internacional multidisciplinar de 30 especialistas (ginecologia oncológica, radio-oncologia, oncologia clínica e patologia), com representante de pacientes no núcleo de elaboração. Cada recomendação foi mantida quando sustentada por evidência suficiente e consenso ≥75% entre os especialistas. 

Houve ainda uma avaliação externa robusta: 225 revisores internacionais (Ásia, Europa, Norte da África, América do Norte, Oriente Médio e América do Sul) e três representantes de pacientes avaliaram relevância e viabilidade, com coleta e discussão formal dos pareceres antes da versão final. O sistema de graduação da evidência e da força das recomendações é uma adaptação do IDSA–US PHS, com níveis I-V e graus A-E (de “fortemente recomendado” até “nunca recomendado”). 

O escopo cobre diagnóstico, tratamento, seguimento e educação da paciente e explicita o público-alvo: ginecologistas oncologistas, cirurgiões, radio-oncologistas, patologistas, oncologistas, radiologistas, equipes de atenção primária e cuidados paliativos. Tratamento que preserva a fertilidade foi excluído por ter guideline próprio (ESGO/ESHRE/ESGE 2023), e não há análise econômica nesta atualização. Portanto, temos uma métodologia transparente, multidisciplinar, com validação externa ampla e linguagem padronizada (inclusive definindo o uso de “MMRd” e “não-MMRd” ao longo do texto) 

População envolvida 

As recomendações se aplicam a todas as pacientes com carcinoma de endométrio, do diagnóstico à recidiva. O documento também define que o planejamento do estadiamento e o tratamento ocorra em reuniões multidisciplinares (tumor board), com aconselhamento claro de riscos e benefícios e preferencialmente em centros especializados, ainda mais ns doença de alto risco e estadiamento avançado. 

Uma população de particular interesse são as portadoras (ou suspeitas) de síndrome de Lynch. As diretrizes recomendam triagem universal por imuno-histoquímica (IHC) para proteínas de reparo de DNA (MMR), com análise de metilação de MLH1 quando houver perda de MLH1 isolada (ou MLH1+PMS2), Pacientes com risco aumentado devem ser encaminhadas à genética, com testagem e vigilância de tumores relacionados. 

Resultados  

  1. Princípios gerais que mudam a rotina

Três mensagens simples que organizam o fluxo assistencial: 

  • Decidir em tumor board, com base em fatores prognósticos/preditivos, morbidade e qualidade de vida;
  • Aconselhar bem a paciente sobre alternativas, riscos e benefícios;
  • Tratar em centro especializado preferencialmente. Isso evita decisões fragmentadas (p.ex., indicar cirurgia sem discutir adjuvância à luz da biologia tumoral),

 

  1. Identificação e vigilância na síndrome de Lynch

O guideline oficializa a IHC universal para MMR como método inicial (com metilação de MLH1 quando cabe) e considera testagem de MSI como segunda opção. Com IHC/MSI alteradas ou história familiar sugestiva, a paciente deve ir à consulta com geneticista, com aconselhamento, testagem germinativa e plano de vigilância. 

A vigilância do endométrio em portadoras da síndrome costuma iniciar aos 30 anos, ajustada pelo gene e história familiar, incluindo USG transvaginal anual e biópsia endometrial anual ou bienal até a histerectomia. Para redução de risco, recomenda-se histerectomia + salpingo-ooforectomia bilateral após prole definida, preferencialmente antes dos 40 anos nas mutações MLH1/MSH2/MSH6, e na menopausa nas mutações PMS2. O texto também orienta discutir vantagens e desvantagens da cirurgia profilática (inclusive risco de achado de câncer oculto) e sugere terapia estrogênica de reposição após salpingooforectomia bilateral na pré-menopausa. 

 

  1. Classificação molecular universal

O guideline institui a classificação molecular para todos os carcinomas endometriais (POLE-ut, MMRd, NSMP e p53abn) a partir de três análises básicas: teste de POLE, IHC para MMR e IHC para p53. Alguns pontos operacionais úteis ao dia a dia do consultório: 

  • Quando omitir: em estádio I de baixo risco em que o status POLE não mudaria a adjuvância, o teste pode ser omitido.
  • Onde testar: priorize a biópsia/curetagem; repita na peça apenas se houver tecido escasso, resultados equívocos/problemas técnicos, ou novo componente tumoral na histerectomia
  • Como testar:

– MMR: IHC é padrão. A abordagem com dois anticorpos é equivalente à de quatro; resultados heterogêneos/equívocos pedem PCR de MSI. 

– P53: faça por IHC; se o padrão for equívoco/heterogêneo, use sequenciamento de TP53 como alternativa. 

– POLE: garanta que o painel cubra as 11 variantes patogênicas. 

  • Múltiplas alterações genéticas: siga a regra do “driver genômico”: POLEmut prevalece sobre p53abn e MMRd; MMRd prevalece sobre p53abn.
  • ER(receptor de estrogenio) e HER2: dose ER por IHC em todas, pois ele facilita diagnóstico, é prognóstico em NSMP e prediz resposta a terapia endócrina na doença avançada/recorrente. Em p53abn avançado/recorrente, serosos e carcinossarcomas, avalie HER2 por IHC e, se escore ≥2, complemente com FISH padronizado.

 

  1. Grupos de risco: casamento FIGO 2023 + biologia

As diretrizes alinham a definição de risco prognóstico com a FIGO 2023, integrando extensão tumoral, status de invasão linfovascular (LVSI) e classificação molecular. Os algoritmos de risco mostram a alocação com FIGO 2023 e biologia. Quando a classificação molecular é conhecida, surgem categorias específicas, como “I Am POLEmut” (estádio I com POLE mutado). O algoritmo também expande o grupo NSMP em dois subconjuntos com implicações práticas: NSMP de baixo grau/ER-positivo versus NSMP de alto grau ou ER-negativo, refletindo diferenças prognósticas e possíveis escolhas de adjuvância. 

Para o residente e oncologista recém-fornado: pense no risco como uma “soma ponderada” de anatomia (FIGO) + biologia (molecular e LVSI). Isso evita overtreatment em tumores POLEmut muito favoráveis e undertreatment nos p53abn com cara “inocente” à primeira vista. 

 

  1. O que isso muda nas decisões terapêuticas?

O documento não é um protocolo de quimioterapia; é um mapa que ancora as escolhas adjuvantes e de manejo da doença avançada/recorrente em biologia. Na prática: 

  • POLEmut tende a permitir desintensificação adjuvante;
  • p53abn frequentemente puxa para intensificar;
  • MMRd exige desconfiar de Lynch e pode orientar estratégias na recidiva;
  • NSMP alto grau ou ER-negativo demanda cautela adicional.

Além disso, a padronização de ER (prognóstico/preditivo) e HER2 (seleção adicional em p53abn/seroso/carcinossarcoma) aproxima o laudo de decisões personalizadas, e o texto encoraja explicitamente ensaios clínicos guiados por biomarcadores, reforçando a direção da medicina de precisão na doença avançada/recorrente.

 

Conclusão e mensagem prática 

Tríade molecular já na primeira amostra: ao confirmar o diagnóstico, peça juntos: p53 (IHC), MMR (IHC, com MLH1 metilação quando couber; complemente com MSI se IHC equívoca/heterogênea) e POLE (omitível no estádio I de baixo risco quando não muda a adjuvância). Se o p53 vier indeterminado, sequencie TP53; e garanta que o painel de POLE cubra as 11 variantes patogênicas do domínio exonuclease. Isso define risco, alinha a discussão em tumor board e reduz retrabalho (evita “voltar ao bloco de parafina” para completar laudo com nova análise). 

Ajuste a linguagem do laudo e do prontuário: peça para o serviço de patologia reportar ER (prognóstico no NSMP e preditivo para terapia endócrina na doença avançada/recorrente) e testar HER2 nos p53abn avançados/recorrentes, serosos e carcinossarcomas (IHC, com ISH se escore = 2). Ao estratificar risco, use a FIGO 2023 integrada à biologia tumoral, reconhecendo categorias como IAm POLEmut, e diferencie NSMP em baixo grau/ER+ versus alto grau/ER- . 

Não perca a janela de testar Lynch: implemente IHC universal de MMR como triagem, com metilação de MLH1 quando indicado; testagem de MSI é plano B somente se IHQ inconclusiva. Diante de risco elevado (IHC/MSI/história), encaminhe precoce à consulta de genética. Estabeleça vigilância do endométrio a partir dos 30 anos (ajustada por gene e família), com USG transvaginal anual e biópsia anual/bienal até histerectomia; discuta cirurgia redutora de risco (histerectomia+BSO) antes dos 40 para MLH1/MSH2/MSH6 e na menopausa para PMS2; sugira reposição hormonal após BSO na mulher na pré-menopausa.

Traga o tumor board para o centro da linha de cuidado: formalize reuniões semanais com checklist (FIGO 2023, LVSI, POLE/MMR/p53, ER, HER2, plano adjuvante, necessidade de RT/QT, adequação cirúrgica). Planejar e decidir em conjunto, e executar em centros especializados, reduz variação de condutas e melhora desfechos, como pede a diretriz. 

Resumindo o artigo em uma frase: a atualização ESGO-ESTRO-ESP 2025 tira a biologia molecular do rodapé do laudo e a coloca no centro das decisões. Ao universalizar a classificação molecular, “molecularizar” a classificação FIGO 2023 e institucionalizar a pesquisa sistemática de Lynch, o documento entrega um mapa prático para personalizar adjuvância, vigilância e manejo da recidiva, com método robusto (30 especialistas, consenso ≥75%) e validação global (225 revisores).  Se você adotar três pedidos (p53, MMR, POLE) e dois hábitos (tumor board e genética para Lynch) já amanhã na sua prática ambulatorial, grande parte do ganho dessas diretrizes passa a acontecer no dia a dia corrido do oncologista. 

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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Referências bibliográficas

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