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Oncologia21 agosto 2025

Sarcomas de partes moles: lições práticas do diagnóstico ao tratamento

Tratamento correto dos sarcomas de partes moles salva vidas. Entenda o papel da biópsia, imagem e cirurgia em centros especializados.

Imagine um tumor que cabe inteiro na palma da mão, mas cujo tratamento errado na primeira cirurgia pode custar todo o membro inferior ou mesmo a vida do paciente. É essa a realidade dos sarcomas de partes moles (SPM): raros (cerca de seis casos por 100 mil habitantes ao ano), extremamente heterogêneos (mais de 75 subtipos) e frequentemente silenciosos até atingirem tamanho considerável. Mesmo assim, metade deles ainda é operada sem biópsia prévia, em cirurgias “whoops”, termo que traduz bem o susto de descobrir só depois de operado que se tratava de um sarcoma. 

O preço do erro inicial é alto: um estudo francês mostrou que pacientes discutidos em reuniões multidisciplinares antes de qualquer intervenção vivem mais, reforçando a máxima de que a primeira chance, bem planejada, é a que conta. Bons resultados exigem infraestrutura, como serviço de radiologia capaz de estadiar adequadamente e diferenciar lesões do tipo “não toque” de lesões potencialmente agressivas, patologista experiente para revisar lâminas e equipe cirúrgica habituada a ressecar tumores raros. Um ponto crítico é quando o laudo histológico inicial não é revisado por patologista especializado, até 35% dos diagnósticos apresentam erro, o que justifica a dupla leitura obrigatória em centros de referência. Não surpreende que diretrizes europeias recomendem encaminhar todo caso suspeito a centros de referência logo na suspeita clínica. 

Desenho metodológico 

O artigo de Neuberg e colegas é um guia de prática clínica elaborado por um grupo multidisciplinar do CHU Liège (cirurgia oncológica, oncologia, radioterapia, patologia e ortopedia). A equipe revisou diretrizes ESMO-EURACAN-GENTURIS 2021 e o Thésaurus National de Cancérologie Digestive 2022, sumarizou evidências de coortes populacionais, estudos das redes francesas NETSARC/RESOS e ensaios sobre margens cirúrgicas, além de integrar experiência institucional de mais de uma década no manejo de SPM. 

População envolvida 

Apesar de não se tratar de um estudo prospectivo, o artigo descreve o perfil clínico mais frequente desses pacientes. A idade costuma girar em torno de 60 anos, embora esses tumores possam ocorrer em qualquer faixa etária, e a incidência é praticamente igual entre homens e mulheres. Em termos de localização, metade dos casos aparece nos membros, cerca de 30% no retroperitônio ou abdome e o restante distribui-se pelo tronco, cabeça e pescoço. Os subtipos histológicos mais comuns são: lipossarcoma e leiomiossarcoma. Há fatores de risco bem estabelecidos, como as síndromes genéticas (LiFraumeni e neurofibromatose tipo 1), além de radioterapia prévia (até 5% dos sarcomas são radioinduzidos).  

Resultados  

Diagnóstico por imagem 

  • Lesões em membros ou parede abdominal devem ser avaliadas por ressonância magnética com gadolínio
  • Massas intra-abdominais ou retroperitoneais podem ser avaliadas por tomografia computadorizada contrastada, na ausência de ressonância magnética.
  • Para pesquisa de metástases a distância, a tomografia de tórax é indispensável, já que o pulmão costuma ser o primeiro sítio de disseminação metastática. 

Biópsia coaxial guiada por imagem 

Indicada para todas as massas profundas e para massas superficiais maiores que três a cinco centímetros. A técnica coaxial protege o trajeto e reduz o risco de semeadura tumoral, não aumenta recidiva local nem compromete sobrevida, como demonstrado em série de 2015. Ela deve ser planejada de modo que o trajeto feito para a biópsia seja retirado completamente com a cirurgia. 

Reunião multidisciplinar 

Pacientes discutidos antes do tratamento exibiram melhor sobrevida global em estudo com mais de mil casos, ressaltando a importância de planejar cirurgia, radioterapia, e se necessário, quimioterapia neoadjuvante. 

Cirurgia em bloco 

O padrão-ouro é a ressecção compartimental com margem tridimensional de tecido são (R0). Enucleações que seguem a pseudocápsula levam a margens microscópicas positivas (R1) e alto risco de recidiva. No retroperitônio, órgãos adjacentes podem ser ressecados em bloco. Dados nacionais franceses demonstram ganho de sobrevida quando a primeira cirurgia é feita em centro de referência. 

Tratamento neoadjuvante 

Quimioterapia fica reservada a subtipos sensíveis ou a tumores muito próximos de estruturas críticas quando se busca conversão para melhor ressecabilidade. 

Impacto das imagens 

Meta-análise de Gundle et al mostrou que margens negativas reais (pelo menos um milímetro de tecido saudável) reduzem recidiva local independentemente do grau histológico; margens intratumorais quadruplicam esse risco. Nenhum tratamento adjuvante compensa uma cirurgia inadequada. 

Considerações clínicas e implicações para a prática 

  • Suspeite cedo:  Nódulo profundo, indolor inicialmente e que pode ser tornar doloroso, e com crescimento progressivo, deve levantar a suspeita de que se trata de um sarcoma. Lesões em áreas previamente irradiadas exigem suspeita máxima.
  • Imagem certa, lugar certo:  Ressonância magnética com contraste é o melhor método para avaliar lesões de partes moles em membros e articulações.
  • Biópsia protegida é sua melhor amiga: Planejar o trajeto que será incluído na ressecção definitiva evita semeadura e melhora o controle local.
  • Centro de referência não é luxo, é necessidade:  Pacientes operados em hospitais especializados têm menos recidiva e maior sobrevida. Encaminhar não significa perder o paciente, mas sim salvá-lo.
  • Planeje em conjunto:  Reunião multidisciplinar antes de qualquer incisão define sequência de tratamentos e evita improviso na sala cirúrgica.
  • Cirurgia R0:  O tumor deve sair embrulhado em tecido normal; se isso não for possível, é melhor programar tratamento neoadjuvante para melhor ressecabilidade.
  • Pense além da lâmina: Casos associados a Li-Fraumeni ou NF-1 pedem vigilância genética. Encaminhe para médico geneticista.
  • Eduque a equipe:  Fisioterapeutas e enfermeiros precisam participar das reuniões multidisciplinares, uma vez que são essenciais no cuidado, como otimizar reabilitação e curativos
  • Fale claro com o paciente: Explique que SPM é um tipo raro de câncer, no músculo ou na gordura, e que a qualidade da primeira cirurgia define o futuro: a maioria aceita viajar para um centro especializado quando entende a gravidade.

Sarcomas de partes moles são a melhor prova de que o sucesso em oncologia depende de reconhecimento precoce do problema, pedir ajuda na hora certa e operar com precisão milimétrica. O guia de Neuberg et al demonstra que seguir a cartilha de imagem adequada, biópsia coaxial, discussão multidisciplinar e cirurgia em bloco transforma um cenário de risco em história de sucesso. Para o residente e o cirurgião recém-formado, a lição é simples: suspeitou de sarcoma, pare, converse e encaminhe. A pressa em operar logo, sem planejamento, pode custar caro demais. 

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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Referências bibliográficas

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