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Neurologia29 setembro 2020

Definição e manejo da miastenia gravis

A miastenia gravis é uma doença, mais especificamente, um distúrbio neuromuscular que afeta a porção pós-sináptica da junção neuromuscular.

A miastenia gravis é uma doença, mais especificamente, um distúrbio neuromuscular que afeta a porção pós-sináptica da junção neuromuscular, tendo como efeito déficit motor e fatigabilidade da musculatura esquelética.

Médica verifica dados sobre miastenia gravis

Qual é a etiologia?

A principal forma da doença é a adquirida, na qual o paciente apresenta anticorpos contra seus receptores de acetilcolina, receptores nicotínico localizados na junção neuromuscular. A relação dos anticorpos com essa doença foi comprovada após verificação da melhora dos pacientes após realização de plasmaférese com retirada dos anticorpos da circulação. Esses anticorpos não apenas diminuem a quantidade de receptores disponíveis para se ligarem a acetilcolina, como também tornam as fendas sinápticas mais simples, com diminuição do comprimento da membrana pós-sináptica e menor quantidade de dobras juncionais. Possivelmente existe uma predisposição genética para o desenvolvimento dessa condição autoimune. Infecções, cirurgia e certos medicamentos (como nifedipina, verapamil, procainamida) podem desencadear o quadro.

Existe também a forma congênita, menos comum, na qual os anticorpos produzidos pela mãe passam pela barreira placentária para o feto, gerando a miastenia neonatal com sintomas que desaparecem um tempo após nascimento.

Avanços na medicina intensiva têm aumentado sobremaneira a sobrevida desses pacientes.

Qual o mecanismo fisiopatológico?

Como mencionamos acima, como resultado das alterações produzidas pelos anticorpos, a quantidade de receptores da acetilcolina está reduzida na placa miastênica. Há alguma evidência demonstrada pelos estudos que a agressão é iniciada no timo.

Seguem esquemas representando a parte muscular da junção neuromuscular de um paciente sem miastenia gravis e de um paciente doente. As bolinhas verdes representam a acetilcolina, a linha vermelha representa o músculo da placa motora e as dobras da junção representam a superfície na qual se encontram os receptores.

Esse situação normal, a acetilcolina liberada na terminação nervosa atravessa o espaço sináptico em direção aos seus receptores encontrados no músculo. Existe uma enzima chamada Acetilcolinesterase que, por realizar a hidrólise da acetilcolina livre (a que não está ligada ao receptor), encerra a neurotransmissão, inativando-a.

Na miastenia gravis, como a fenda sináptica é mais simples, há consequentemente menos receptores de acetilcolina e os presentes podem estar ligados aos anticorpos e não disponíveis a ligação com acetilcolina. Esta disponível na placa, sem ligar a seus receptores correspondentes, é hidrolisada pela acetilcolinesterase.

Leia também: Atenção para miastenia gravis materna pós-parto!

Qual a apresentação clínica esperada?

Os sintomas podem aparecer de repente com um quadro mais grave de fraqueza, porém isso não é a apresentação mais comum. O que em geral ocorre é a evolução lenta e sutil dos sintomas, tornando bem difícil o diagnóstico da doença.

Espera-se sintomas resultantes da fraqueza e fatigabilidade muscular. Esta piora durante a execução de uma atividade repetitiva, ao fim do dia, pela saturação rápida do terminal sináptico ao desempenhar um exercício. Parece haver melhora do quadro após um período de repouso/sono. Podemos enumerar os sinais e sintomas principais:

  • Ptose/diplopia/estrabismo: a musculatura ocular extrínseca é acometida precocemente;
  • Disfagia;
  • Disartria;
  • Disfonia;
  • Fraqueza na mastigação;
  • Fraqueza nos MMII: principalmente musculatura proximal, de forma que o paciente apresenta dificuldade para subir escadas, elevar os braços para pentear o cabelo ou se barbear;
  • Fraqueza da musculatura respiratória.

Esses sintomas podem se manter inalterados durante um período longo de tempo ou apresentar rápida progressão. Isso varia de um paciente para o outro e o mesmo indivíduo pode apresentar padrões de evolução dos sintomas totalmente diferentes.

Os sintomas podem ser estratificados de acordo com a Escala de Osserman:

  • CLASSIFICAÇÃO 0: Sem sintomas.
  • CLASSIFICAÇÃO 1: Com sintomas oculares.
  • CLASSIFICAÇÃO 2: Quadro leve com progressão lenta sem crises, boa resposta a medicação.
  • CLASSIFICAÇÃO 3: Quadro moderado.
  • CLASSIFICAÇÃO 4: Quadro grave, com insuficiência respiratória.

Um dado importante no exame físico, para diagnóstico diferencial, é a preservação dos reflexos tendíneos profundos.

A crise miastênica é uma condição marcada pela piora dos sintomas respiratórios, sem resposta a medicação, com necessidade de assistência hospitalar. Situações de estresse, reação adversa a alguns medicamentos, atividade física, gestação infectes podem desencadear a crise.

Saiba mais: Covid-19: cientistas italianos identificam três casos de miastenia em pacientes

Quais os exames utilizados para diagnóstico?

A eletroneuromiografia tem grande importância e demonstra aqui redução rápida de amplitude das respostas, principalmente aos estímulos elétricos repetidos.

Outro exame é o teste farmacológico. Observa-se melhora dos sintomas com administração de anticolinesterásicos (edrofônio e neostigmina). Isso é esperado porque não ocorrerá hidrólise da acetilcolina, mantendo-a por maior tempo na placa motora.

Há testes imunológicos também buscando anticorpos antirreceptores de acetilcolina.

O exame de imagem, como tomografia de tórax, serve para procurar anormalidades no timo, sendo a mais comum a hiperplasia folicular linfoide, seguida pelos timomas.

Quais as opções de tratamento?

Medicamentos:

  • Anticolinesterásicos: piridostigmina oral é o medicamento mais utilizado. Eles diminuem a ação da enzima na placa, como vimos acima. Por mais que não impeça a ação dos anticorpos e, portanta, não altere a quantidade de receptores, ele acaba por facilitar a transmissão na placa ao manter a acetilcolina por mais tempo por ali. Inicia-se com dose de 60 mg 3-5x/dia. As doses são aumentadas de acordo com resposta clínica. Esses medicamentos têm efeitos muscarínicos como sintomas colaterais, diarreia, cólicas abdominais, salivação. Esses podem ser controlados com uso da atropina ou escitalopram.
  • Corticosteroides: as doses são progressivas a depender da resposta clínica.
  • Imunossupressores: são utilizados a azatioprina, ciclofosfamida e ciclosporina.
  • Gamaglobulinas: mais indicada na crise miastênica.

Cirurgia:

Como vimos, o timo tem importante relação com essa doença, sendo realizada timectomia. É recomendada a ressecção ampla do timo, tomando como referência os nervos frênicos, ela é realizada de um nervo ao outro. Retira-se quando possível a maior porção de gordura mediastinal peritímica. Os acessos possíveis são transcervical, transesternal, por videotoracoscopia (subxifoide) e cirurgia robótica.

A timectomia é mandatária mediante a identificação de alterações nesse órgão nos exames de imagem.

Existem algumas indicações de realização dessa cirurgia mesmo em situações sem evidência de alterações no exames de imagem:

  • Formas clínicas com manifestações generalizadas refratárias a medicação;
  • Evolução rápida dos sintomas;
  • Pacientes jovens;
  • Intolerância a algumas formas de tratamento pelos efeitos adversos;
  • Sintomas controlados com elevadas dosagens de medicação por longo tempo de tratamento.

Quase 50% dos pacientes podem apresentar expressiva melhora dos sintomas após cirurgia.

Preparo pré e pós-operatório:

Podem ser utilizados plasmaférese ou gamaglobulinas no pré-operatório. No pós-operatório, deve-se evitar benzodiazepínicos e bloqueadores neuromusculares. Deve-se reduzir os anticolinesterásicos e manter a dosagem de corticosteroides.

Todas essas medidas visam evitar as crises miastênicas, falha de extubação pela fraqueza e complicações pós operatória.

Plasmaferese:

É um procedimento realizado principalmente durante a crise miastênica. Aqui, de forma simples, lava-se o plasma do paciente para remoção dos anticorpos que estão atrapalhando a condução do estímulo motor.

Referências bibliográficas:

  • Levischi Júnior CE, Tognini JRF. Principais temas em Cirurgia Toraccica. 1 ed. São Paulo: Medcel. 2019.
  • Rubin M. Miastenia grave. MANUAL MSD. Versão Saúde para a Família. [acesso 28 set 2020]. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt/casa/distúrbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/doenças-dos-nervos-periféricos/miastenia-grave.
  • Associação Brasileira de Miastenia. [acesso em 28 set 2020]. Disponível em: http://www.abrami.org.br.
  • Kandel E, Schwartz J, Jessel T, Siegelbaum S, Hudspeth A . Principles of Neural Science 5ª ed. McGraw-Hill Education ; 2012. 318–9.
  • McGrogan A, Sneddon S, de Vries CS. The incidence of myasthenia gravis: a systematic literature review. Neuroepidemiology. 2010.;34(3):171–183.
  • Kumar V, Kaminski HJ. Treatment of Myasthenia Gravis. Current Neurology and Neuroscience Reports. 2010;11(1):89–96.
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