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Gastroenterologia18 junho 2024

Magnésio: o eletrólito negligenciado   

Por Leandro Lima

A importância do magnésio na fisiologia humana ficou relegada ao segundo plano por muitos anos, enquanto as atenções se voltavam, de forma prioritária, para o sódio, potássio e cálcio. Hoje em dia, com a elucidação de muitas de suas funções biológicas, tornou-se um elemento de avaliação corriqueira na prática da maioria dos médicos.   

A concentração sérica de magnésio tem uma regulação estreita: 1,7 e 2,4 mg/dL (0,7 a 1 mmol/L).   

O eletrólito é segundo principal componente do meio intracelular, ficando atrás somente do potássio, e está implicado em inúmeras funções biológicas:   

funções biológicas do magnésio

Os mecanismos regulatórios desse importante cátion divalente dependem do eixo intestino-rim-osso, relacionados, respectivamente, à absorção, excreção e armazenamento, esse último por meio de um reservatório dinâmico na forma de hidroxiapatita. De fato, os ossos respondem por 60% de todo o conteúdo corporal de magnésio! Compreende-se, portanto, a importância da adequação do aporte de magnésio na saúde óssea e redução do risco de fraturas e osteoporose.   

O corpo humano adulto contém aproximadamente 25 g de magnésio. Desses, 95% encontram-se ligados ao ATP, citrato, proteínas ou ácidos nucleicos; e menos de 5% encontram-se em sua forma livre. O conteúdo plasmático representa menos de 1% do estoque corporal, motivo pelo qual a dosagem sanguínea nem sempre representa, de maneira fiel, as reservas orgânicas.  

As principais fontes dietéticas incluem os cereais, leguminosas, oleaginosas e vegetais verdes. A ingestão oral diária é de cerca de 400 mg, dos quais aproximadamente 100 mg são absorvidos pelos intestinos, predominantemente por via paracelular passiva através das junções estreitas no delgado e via transcelular por meio de TRPM6 e TRPM7 no cólon. A secreção entérica diária, por sua vez, é da ordem de 20 mg.   

Ao longo do dia, 2,4 g são filtrados pelos glomérulos, dos quais 2,3 g são reabsorvidas, com excreção renal média diária de 100 mg. A reabsorção, ao contrário de outros eletrólitos, se dá predominantemente na porção ascendente espessa da alça de Henle (70%), enquanto apenas 20% são reabsorvidos nos túbulos proximais, sob mediação das claudinas 10b, 16 e 19. Uma pequena fração da reabsorção (10%) se dá nos túbulos contorcidos distais sob o controle da TRPM6 e TRPM7.    

A hipomagnesemia acomete até 10% da população geral; contudo, a sua prevalência aumenta entre pacientes etilistas, diabéticos (10 a 30%), desnutridos, com síndrome do intestino curto, diarreia crônica e internados, especialmente aqueles em unidades de terapia intensiva (acima de 65%).   

Os principais mecanismos envolvidos são a baixa ingestão dietética, aumento das perdas gastrointestinais, redução da reabsorção renal e redistribuição para o meio intracelular.  

A etiologia medicamentosa deve ser considerada entre usuários de antibióticos, diuréticos, biológicos, imunossupressores, inibidores da bomba de prótons (IBPs) e quimioterápicos, sendo principalmente mediada por alteração da atividade de TRPM 6 e 7. Tratam-se de receptores de potencial transitório de canais catiônicos da subfamília M, expressos predominantemente no cólon e nos túbulos contorcidos distais renais, importantes na reabsorção de magnésio.   

hipomagnesemia

Leia mais: Sulfato de magnésio como adjuvante em anestesia geral e sedação  

Há ainda a hipomagnesemia familiar, em que variantes patogênicas relacionadas às vias de transporte do magnésio podem ser encontradas em 80% dos casos. Uma síndrome que merece atenção é a hipomagnesemia com hipocalcemia secundária (HHS), entidade letal na embriogênese quando em homozigose e que cursa com hipomagnesemia refratária à suplementação quando em heterozigose.   

A hipomagnesemia frequentemente é acompanhada por outras anormalidades eletrolíticas, entre as quais a hipocalcemia (por supressão da liberação e redução da sensibilidade renal ao PTH), hipocalemia (por influência na atividade da bomba Na+-K+-ATPase, canais ROMK, cotransportador de Na+-Cl e ligase da ubiquitina) e alcalose metabólica.    

A sintomatologia é inespecífica e pode incluir letargia, câimbras e fraqueza muscular. Em casos graves podem ocorrer alterações neurológicas (confusão mental, tremores, espasmo carpopedal, tetania e crises convulsivas), cardiológicas (vasoconstrição, hipertensão arterial sistêmica, síndrome do intervalo QT prolongado e arritmias incluindo fibrilação atrial, torsades de pointes e taquicardia ventricular) e metabólicas (resistência insulínica e condrocalcinose).   

O déficit corporal de magnésio apresenta ainda relação com a incidência de internações e com o incremento da mortalidade geral e cardiovascular. Entre pacientes etilistas, a hipomagnesemia se associa com disfunção hepática e pior prognóstico da hepatopatia.   

Leia mais: Caso Clínico: Hipocalemia

A interpretação dos resultados de magnesemia deve levar em conta confundidores, como a hipoalbuminemia, amostras hemolisadas e coleta em frascos com EDTA.   

Nos infrequentes casos em que uma etiologia da hipomagnesemia não é clara após a entrevista e exame físico, a distinção entre perdas gastrointestinais e renais pode ser realizada por meio da excreção de magnésio em urina de 24h, fração de excreção de magnésio e teste com carga de magnésio.  

A hipomagnesemia leve deve ser tratada preferencialmente com a reposição oral, com maior eficácia dos sais orgânicos (citrato, aspartato, glicinato, gluconato e lactato de magnésio) em relação aos inorgânicos (cloreto, carbonato e óxido de magnésio). Entretanto, um evento adverso limitante frequente da reposição oral é a diarreia.   

Nos casos graves ou refratários, bem como na eclâmpsia, pré-eclâmpsia e asma aguda grave, a via preferencial é a parenteral com sulfato de magnésio. As crises de asma também podem ser manejadas com a adição de sulfato de magnésio à nebulização, em conjunto com beta-agonistas e ipratrópio, com potencial de benefício adicional à função pulmonar e encurtamento das internações.   

Pode-se empregar ainda terapêuticas adjuvantes diante da hipomagnesemia, a exemplo da amilorida, triantereno, inibidores do SGLT2 e inulina, essa última especialmente útil nos casos atrelados ao uso crônico de IBP, que atuam geralmente por meio da redução da excreção renal do magnésio.  

Leia também: Terapia diurética no paciente crítico

Conclusão e mensagens práticas 

  • O magnésio é um eletrólito essencial à vida.  
  • A hipomagnesemia geralmente é assintomática, sendo mais comum em pacientes hospitalizados, especialmente em unidades de terapia intensiva.   
  • Drogas de uso frequente, como inibidores da bomba de prótons, podem causar hipomagnesemia.  
  • A correção oral deve ser realizada preferencialmente com sais orgânicos, sendo a via parenteral preferível em cenários de urgência e emergência. 
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Referências bibliográficas

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