Anemia megaloblástica na gestação – Parte 2
Segunda parte do artigo sobre anemia megaloblástica, a segunda principal causa de anemia durante a gravidez.
Na primeira parte, falamos sobre a definição e a fisiopatologia da anemia megaloblástica na gestação. Agora iremos tratar da abordagem diagnóstica, complicações e abordagem terapêutica.
Abordagem diagnóstica da anemia megaloblástica
O achado laboratorial clássico é a anemia macrocítica (anemia com VCM alto). No entanto, o achado não é patognomônico. A macrocitose pode estar mascarada em mulheres com deficiência de ferro ou talassemia concomitante. Nesses casos, a anemia pode ser normocítica porque um fator “compensa” o outro.
A deficiência do nutriente deve ser suspeitada em casos de anemia macrocítica (VCM > 100 fL), assim como na presença de pancitopenia ou neutrófilos hipersegmentados, particularmente quando houver fator de risco associado. Leucopenia e/ou trombocitopenia leves são outros achados possíveis. A contagem de reticulócitos é baixa, sugerindo redução da produção eritrocitária.
A hematoscopia de sangue periférico é mais sensível para a identificação precoce de macrocitose, uma vez que o VCM representa a média do volume das hemácias, não sendo um método sensível na presença de pequeno número de macrócitos. Comparado à hematoscopia, o VCM pode subdiagnosticar a macrocitose em cerca de 30% dos casos. Além disso, outros fatores podem resultar em falsos aumentos do VCM, como hiperglicemia, hiperleucocitose e crioaglutininas. Aspectos relacionados à coleta e ao armazenamento da amostra de sangue também podem interferir nos valores de VCM.
Durante investigação de anemia macrocítica, outros achados à hematoscopia de sangue periférico contribuem para uma melhor elucidação diagnóstica. Por exemplo, a presença de neutrófilos hipersegmentados e de macro-ovalócitos fala a favor de anemia megaloblástica. Por outro lado, na evidência de neutrófilos hipogranulados ou hipossegmentados associados a outras citopenias, pode ser necessária a realização de estudo de medula óssea, a fim de se excluir alguma doença hematológica primária (ex.: síndrome mielodisplásica).
Hemólise também se associa à macrocitose devido à reticulocitose. Dessa forma, recomenda-se contagem de reticulócitos e solicitação de marcadores de hemólise quando se observam policromasia, eritroblastos, esferócitos ou esquizócitos no sangue periférico. Vale ressaltar que os níveis de desidrogenase lática e bilirrubina indireta podem estar elevados na anemia megaloblástica, por conta da eritropoiese ineficaz e consequente hemólise intramedular, porém a contagem de reticulócitos encontra-se baixa.
Na investigação de anemia macrocítica, recomenda-se solicitar:
– Hemograma;
– Hematoscopia de sangue periférico;
– Contagem de reticulócitos;
– Marcadores de hemólise (desidrogenase lática, bilirrubina indireta e haptoglobina);
– Dosagem de ácido fólico e vitamina B12.
Uma dosagem de ácido fólico < 3 nanogramas/mL confirma a deficiência do nutriente. Se os níveis de ácido fólico estiverem entre 3 e 5 nanogramas/mL, pode-se considerar dosar ácido metilmalônico e homocisteína: ácido metilmalônico normal e homocisteína elevada sugerem deficiência de ácido fólico.
Deve-se ressaltar a importância de dosagem concomitante de vitamina B12, visto que a confirmação de deficiência de ácido fólico não exclui a possibilidade de deficiência também de vitamina B12. A reposição de ácido fólico em paciente com deficiência de vitamina B12 pode normalizar o hemograma, mas não há efeito nas manifestações neurológicas, havendo risco de piora neurológica se a vitamina B12 não for reposta também.
Entre os diagnósticos diferenciais, destacam-se:
– Outras causas de macrocitose com ou sem anemia (ex.: deficiência de vitamina B12, hipotireoidismo, alcoolismo, anemia hemolítica);
– Outras causas de pancitopenia (ex.: síndrome mielodisplásica, anemia aplásica);
– Outras causas de alterações neurológicas (ex.: deficiência de cobre, lúpus eritematoso sistêmico, encefalopatia hepática, uremia, infecção).
Complicações
Complicações obstétricas em gestantes com deficiência de ácido fólico incluem:
– Abortamento;
– Descolamento prematuro de placenta;
– Malformações congênitas (ex.: defeito de fechamento do tubo neural);
– Atraso de desenvolvimento da criança após o nascimento.
Abordagem terapêutica
A reposição de ácido fólico não deve ser postergada em algumas situações, mesmo que assintomática. Dentre elas, destaca-se a gestação, pelo risco de prejuízo no desenvolvimento do feto. Anemia sintomática ou manifestações neurológicas e/ou psiquiátricas também é uma indicação de reposição imediata por conta do risco de piora e irreversibilidade das alterações neurológicas.
A duração do tratamento varia de acordo com a condição de base. Quando a gestante tem uma causa irreversível associada (ex.: síndrome do intestino curto, anemia hemolítica crônica), a reposição deve ser contínua. Nos demais casos, a reposição pode ser suspensa após o período de lactação e correção da deficiência.
A reposição pode ser por via oral ou parenteral. A via parenteral costuma ser reservada para os casos de anemia sintomática ou manifestações neurológicas, além dos casos em que a absorção gastrointestinal é inadequada. Gestantes com anemia megaloblástica por baixa ingestão dietética podem ser manejadas com formulações orais.
Após início da terapia, costuma-se observar aumento de reticulócitos em 3-4 dias e melhorada anemia em 1-2 semanas, com normalização da série vermelha em aproximadamente 4-8 semanas. Quando há leucopenia e trombocitopenia, tais alterações tendem a regredir em 2-4 semanas. A hipersegmentação de neutrófilos, em geral, desaparece em 10-14 dias. A melhora dos sintomas neuropsiquiátricos tende a ser mais tardia, ocorrendo 3-12 meses após início do tratamento.
Aumento do consumo de alimentos ricos em ácido fólico deve ser estimulado, como fígado e folhas verde-escuras (ex.: agrião, chicória, couve, espinafre, brócolis, rúcula).
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