Anticoagulação em cirróticos
A doença hepática crônica avançada (DHCA ou “cirrose”) é um fator de risco para o surgimento de tromboembolismo (TEV), aumentando-o em duas vezes, especialmente na topografia da veia porta, cuja incidência anual varia entre 3% e 25%, na dependência da gravidade da doença hepática.
A trombocitopenia e o alargamento do RNI, comuns com o avanço da hepatopatia, não são marcadores confiáveis da hemostasia geral desses pacientes, e não devem ser interpretados como contraindicações absolutas à anticoagulação.
Vale destacar que valores de plaquetas < 30.000 raramente são atribuíveis exclusivamente à hipertensão portal, devendo-se buscar, nesse cenário, diagnósticos diferenciais (acima desses valores, a anticoagulação, em geral, é considerada segura); e que a prescrição de transfusão de plaquetas ou trombopoetina não é recomendada com o intuito de aumentar a segurança de eventual anticoagulação.
O risco de sangramento relacionado à hipertensão portal pode ser com algumas outras intervenções:
- Betabloqueadores não seletivos, como o carvedilol ou propranolol (se contraindicados ou não tolerados, pode-se recorrer ainda à ligadura elástica das varizes esofágicas);
- Suspensão de terapia antiplaquetária quando for apropriado;
- Incentivo à abstenção do etilismo;
- Evitação do uso de anti-inflamatórios não esteroidais.
Inicialização e retomada da anticoagulação
O início da anticoagulação não deve ser postergado, a menos quando o risco de progressão do trombo ou embolização seja considerado muito baixo, como é o caso da trombose venosa profunda (TVP) distal, em que exames seriados de ultrassonografia são recomendados. Por outro lado, entre os pacientes com hemorragia digestiva alta varicosa (HDA-V) e indicação de anticoagulação, uma vez alcançada a hemostasia, o anticoagulante pode ser retomado.
Veja também: Anticoagulação em pacientes com fibrilação atrial e doença renal crônica
Critérios para segurança
Grandes estudos, embora predominantemente de natureza retrospectiva e observacional, têm reforçado a segurança da anticoagulação entre “cirróticos” na presença de:
- Fibrilação atrial (FA): a eficácia da anticoagulação na profilaxia de acidente vascular cerebral (AVC) se mantém, sem incrementar o risco de sangramento, sendo os anticoagulantes orais de ação direta (DOACs) não inferiores aos antagonistas das vitamina K (VKAs);
- Tromboembolismo venoso (TEV): a eficácia e segurança dos DOACs, em comparação aos VKAs, tem sido observada, predominantemente com o emprego da rivaroxabana e apixabana, incluindo o subgrupo de DHCA descompensada;
- Trombose de veia porta (TVPt): meta-análises têm demonstrado, de forma consistente, a redução da progressão do trombo, melhora da taxa de recanalização, redução do sangramento varicoso e das descompensações agudas entre os pacientes anticoagulados, associando-se à melhora da sobrevida, seja com a utilização de heparina de baixo peso molecular (HBPM) ou rivaroxabana. Ressalta-se que a evidência direta dos DOACs na TVPt é ainda limitada e que o tempo de tratamento mínimo é de 6 meses, devendo sempre ser considerada a extensão, particularmente entre os candidatos ao transplante hepático. Após os 3 primeiros meses de tratamento, contudo, pode-se considerar a redução para doses menores de apixabana ou rivaroxabana, com objetivo de profilaxia secundária.
Child-Pugh-Turcotte |
A ou B |
C |
Recomendação da anticoagulação |
DOACs são opções razoáveis.
Child B: Apixabana é o único aprovado para a profilaxia de AVC na FA e TEV. |
HBPM ± VKA |
Conclusão e mensagens práticas
- A percepção exagerada quanto ao risco de sangramento entre indivíduos com doença hepática crônica avançada (“cirrose”) é, por muitas vezes, motivo de atraso terapêutico ou inadequação da anticoagulação diante da necessidade de profilaxia ou tratamento de tromboembolismo venoso.
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