Há algum tempo que estudos têm tentado adaptar o protocolo original do VIALE-A à partir da redução dos dias de venetoclax e/ou azacitidina a fim de mitigar toxicidades, sobretudo citopenias. O próprio long term follow up do VIALE-A já tinha mostrado que boa parte dos pacientes recebia ciclos com 21 dias de venetoclax sem que isso impactasse na eficácia do tratamento, mas a comunidade médica parece querer reduzir ainda mais.
Estudos retrospectivos já mostraram que esquemas com duração tão curta quanto 7 dias de azacitidina e de venetoclax possivelmente teriam taxas de resposta global e desfechos clínicos semelhantes aos esquemas tradicionais. No entanto, tratam-se de estudos retrospectivos ou subanálises de prospectivos que não haviam sido desenhados para responder a essa pergunta até agora.
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LD-Venex trial
Na apresentação do dia 14 de junho de 2025 no 30º Congresso da Sociedade Europeia de Hematologia, o grupo nórdico de leucemias (NAMLG) apresentou os resultados do pioneiro estudo prospectivo que acompanhou pacientes expostos a um regime de duração reduzida a partir do esqueleto do VIALE-A, que denominou LD-Venex trial.
Trata-se de um estudo prospectivo, multicêntrico, de fase 2, que incluiu pacientes com LMA de novo, secundária ou refratária/recidivada (R/R), todos acima de 70 anos ou inelegíveis à quimioterapia intensiva segundo critérios de Ferrara.
O esquema testado envolveu ciclos de 28 dias com azacitidina 75 mg/m² do D1 ao D7 e venetoclax 400 mg/dia do D1 ao D14 — sendo reduzido para D1-D7 após clareamento de blastos (<5%). As respostas foram avaliadas no D29 de cada ciclo, conforme critérios ELN 2022.
Na análise interina, 119 pacientes foram incluídos: 57 com LMA de novo, 26 com LMA secundária e 36 com LMA R/R. A maioria apresentava risco adverso pelo ELN 2022, mas pertencia ao grupo de risco genético bom respondedor segundo a estratificação mPRS.
A mediana de idade era de 71 a 75 anos entre os grupos LMA de novo, LMA secundária e LMA R/R e a mutação do TP53 estava presente em 28%, 14% e 11% dos pacientes de cada grupo, respectivamente.
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Resultados
Os resultados mais importantes do trabalho se encontram resumidos abaixo:
|
LMA de novo (N=57) |
LMA secundária (N=28) |
LMA R/R (N=35) |
Taxa de resposta global |
84% |
68% |
66% |
Taxa de resposta completa/ |
70% |
46% |
60% |
Mediana de sobrevida global em meses |
19.4 |
7.8 |
13.1* |
A platéia ficou intrigada com essa mediana de sobrevida global tão alta nos casos R/R, e quando perguntada sobre, a autora argumentou que este valor encontrado ainda não foi censurado por transplante alogênico de medula óssea.
Com uma mediana de follow up de 16.3 meses, a mediana de sobrevida global do grupo de LMA de novo impressiona, e é particularmente diferente da mediana de sobrevida global encontrada pelo próprio VIALE-A (14,7 meses da população geral e 14.1 meses especificamente do grupo LMA de novo).A taxa de resposta global, por outro lado, é bem semelhante (70% neste estudo comparado aos 66% do VIALE-A).
Para efeito de comparação (por mais limitada que possa ser uma comparação entre estudos distintos), temos de um lado o estudo LD-Venex apresentado e estudos prospectivos ou retrospectivos que envolveram o protocolo original de 28 dias de venetoclax e 7 dias de azacitidina, com os seguintes resultados:
LMA de novo | ||
|
LD-Venex |
VIALE-A |
Mediana de idade |
75 anos |
76 anos |
Taxa de resposta global |
70% |
66% |
Mediana de sobrevida global em meses |
19.4 |
14.7 |
Mortalidade em 30 dias |
3% |
7% |
LMA secundária ou R/R | ||||
LMAs LD-Venex | LMAs do estudo VenEx [5] | LMA R/R LD-Venex |
LMA R/R em estudo retrospectivo francês [6] | |
Mediana de idade |
75 anos | 71 |
66 | |
Taxa de resposta global |
46% | 39% | 60% |
55% |
Mediana de sobrevida global em meses |
7.8 | 8.4 | 13.1 |
10.8 |
Ao avaliar a mediana de sobrevida global discriminada, conforme a classificação de prognóstico molecular a partir do mPRS, os resultados foram, no mínimo, curiosos:
|
LMA de novo |
sLMA |
LMA R/R |
mPRS favorável |
19.3 meses |
15.6 meses |
15.4 meses |
mPRS intermediário |
NR |
4.5 meses |
11.3 meses |
mPRS adverso |
11.5 meses |
5.8 meses |
14.7 meses |
Com esses resultados, a autora reconheceu que o mPRS não desempenhou bem a estratificação que se esperava como ferramenta, mesmo ao se acrescentar outras alterações moleculares descritas no ELN24, como PTPN11. Por outro lado, ao mostrar os resultados dos pacientes TP53 mut comparados aos demais, estes foram bem piores clinicamente (como esperado).
Toxicidade
Então as taxas de resposta completa parecem ser melhores e a sobrevida global também. Mas em relação à toxicidade? Podemos assegurar que este regime reduzido seja bem menos tóxico que o original? Não muito.
Eventos como neutropenia grau 3 ou mais ocorreram em 38% no estudo LD-Venex comparados aos 42% encontrados no VIALE-A. Plaquetopenia G3 ou mais foi encontrada em 25% dos pacientes do LD-Venex contra 45% do VIALE-A.
Quanto às infecções em si, 8% dos pacientes do LD-Venex apresentaram infecção pulmonar G3 contra 16% do VIALE-A, mas sepse G3 ocorreu em 15% do LD-Venex comparado a 6% do VIALE-A. Nesta análise, cabe uma observação: No VIALE-A, todos os pacientes tinham LMA recém diagnosticada, enquanto no LD-Venex essa fração correspondia a aproximadamente 48% dos pacientes.
Como sabemos, um paciente LMA refratária/recaída é um paciente de maior risco infeccioso, cronicamente neutropênico, e talvez comparar taxas de toxicidade hematológica entre eles e LMA recém diagnosticadas não seja o ideal.
Para concluir, a autora pontuou que o estudo trouxe uma base segura para encurtar duração de tratamento com venetoclax e azacitidina, reduzindo custos relacionados à hospitalização e mantendo eficácia semelhante ao protocolo original com discreta melhora de toxicidades hematológicas.
Como isso impacta a nossa prática clínica?
- Em um cenário brasileiro onde há limitação de leitos, risco infeccioso elevado do paciente tratado dentro do hospital e limitação da disponibilidade de venetoclax em todas as esfera de forma homogênea, é interessante considerar regimes predominantemente ambulatoriais (como foi conduzido na maior parte dos pacientes do LD-Venex) e com menos dias de tratamento.
- A redução da duração do venetoclax para 14 ou mesmo 7 dias após resposta precoce pode facilitar a adesão ao tratamento ambulatorial, reduzir custos com hospitalizações e permitir maior continuidade terapêutica — especialmente em centros públicos. Uma crítica ao estudo talvez seja a ausência de avaliação de doença residual mínima, que no contexto do seguimento de LMA fornece informações relevantes sobre a mediana de duração de resposta e previsibilidade de tratamento.
- Outra crítica é a de que a autora não mostrou mediana de tempo para resposta completa, e quando perguntada sobre isso na plateia, informou ainda não ter o dado concreto, mas acredita que se encontra perto do 1 mês reportado no VIALE-A.
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