Confira a nova diretriz da AHA/ASA em profilaxia primária de AVC
A American Heart Association (AHA) já divulgou uma ferramenta denominada “AHA Life’s Essencial 8” responsável por educar sobre estratégias de comportamento e de cuidado em saúde com objetivo de prevenção de doenças cardiovasculares. Dentro das 8 estratégias descritas nessa ferramenta, destaca-se: alimentação saudável, atividade física regular, cessar tabagismo, boa rotina de sono, manejo de peso ponderal, controle de taxas lipídicas como colesterol, manejo glicêmico e manejo de pressão arterial. Em 2024, a American Heart Association e a American Stroke Association (AHA/ASA) publicam diretriz com as principais recomendações na profilaxia primária de acidente cerebrovascular. Trata-se de um documento fundamental ao considerar evidências epidemiológicas de que o AVC é a principal causa de incapacidade global e a segunda causa de mortalidade global. Confira as principais recomendações ressaltadas nesse documento.
Promoção da saúde
Desde o nascimento até o processo de envelhecimento do indivíduo, as visitas médicas regulares devem ser tratadas como oportunidades para identificação e promoção à saúde cerebral.
Rastreio em determinantes sociais adversos à saúde
Nessa diretriz houve incorporação de fatores sociais determinantes de saúde, isto é, fatores não-médicos que apresentem influência significativa na prevenção e risco de doenças cardiovasculares e, consequentemente, de AVC. Entre esses fatores sociais, destaca-se determinantes como localização geográfica, exclusão histórica em pesquisa de determinados segmentos sociais, racismo estrutural, insegurança alimentar, dificuldade de acesso à assistência à saúde. Todos esses fatores sociais apresentam impacto no desenvolvimento de fatores de risco cardiovasculares e no seu controle.
Hábitos de vida e Controle de fatores de risco
Os hábitos de vida relacionados com o “AHA Life’s Essential 8” são elementos importantes para promoção e prevenção de doenças cardiovasculares como AVC.
Quanto a recomendações de dieta, em adultos sem histórico pregressa de doença cardiovascular embora com risco intermediário-alto para tal, a dieta do Mediterrâneo é recomendada para reduzir risco de AVC (nível de evidência 1). Por outro lado, suplementação vitamínica (vitamina C, E, selênio, antioxidantes, cálcio) não foram efetivos para sua redução.
Atividade física é hábito imprescindível, sendo aconselhado que os indivíduos apresentem engajamento de pelo menos 150 minutos/semana para atividade física moderada, 75 minutos/semana para atividade física intensa ou outras estratégias equivalentes para reduzir risco de AVC (nível de evidência 1). Ademais, o aconselhamento para evitar tempo excessivo de sedentarismo (baixa energia despendida em posturas sentada, reclinada ou deitada durante o período de vigília) devem ser realizados (nível 1 de evidência).
O controle de peso ponderal é outro cuidado importante na profilaxia primária de AVC. Em adultos ≥ 18 anos, rastreio para sobrepeso e obesidade é recomendado para informar o indivíduo sobre risco de AVC (nível 1 de evidência). Outro ponto descrito na diretriz se refere a pacientes com obesidade grau II (IMC 35-39,9 kg/m²) em que procedimentos cirúrgicos bariátricos possam ser considerados para reduzir o risco de AVC (nível de evidência 2b).
Em pacientes com apneia obstrutiva do sono (SAOS), o uso de CPAP é razoável para redução de risco de AVC (nível de evidência 2b). Ainda assim, a efetividade de rastreio de adultos para SAOS na prevenção de AVC é incerto (nível de evidência 2b).
Adultos assintomáticos com fatores de risco cardiovasculares (como sobrepeso/obesidade ou presença de doença aterosclerótica) devem ser rastreados para pré-diabetes ou diabetes mellitus a fim de ser informado também risco para AVC (nível de evidência 1). Em pacientes com diagnóstico de diabetes mellitus e risco cardiovascular alto ou com doença cardiovascular já estabelecida e HbA1C ≥ 7%, o tratamento com agonista receptor de GLP-1 é efetivo e reduz o risco de AVC (nível de evidência 1). Por outro lado, é importante enfatizar que o controle intensivo de glicemia (HbA1C ≤ 6,5%) em pacientes com diabetes não é benéfico na prevenção de AVC.
Todos os indivíduos acima de 18 anos devem ser rastreados para hipertensão arterial a fim de identificar àqueles com aumento de risco para AVC e elegibilidade para início de tratamento com anti-hipertensivos (nível de evidência 1). Na maioria dos adultos com hipertensão, é recomendada incorporação de ≥ 2 anti-hipertensivos para controle pressórico com intuito de prevenir AVC (nível de evidência 1). Para àqueles indivíduos com HAS estágio 2 ou HAS estágio 1 e elevado risco de doença cardiovascular, a terapia farmacológica com anti-hipertensivos e mudança de hábitos deve apresentar alvo de controle pressórico < 130/80 mmHg a fim de prevenir doença cerebrovascular (nível de evidência 1).
Em adultos com indicação de antilipemiantes através das orientações de guideline para profilaxia primária de doença cardiovascular da ACC/AHA de 2019, a terapia com estatinas é recomendada na redução de AVC para indivíduos entre 20-75 anos com LDL > 190mg/dL, indivíduos com risco cardiovascular em 10 anos ≥ 20% ou indivíduos com risco cardiovascular em 10 anos entre 7.5-20% com presença de ≥ 1 fator de risco (nível de evidência 1). Em indivíduos que apresentem intolerância ou refratariedade em atingir o controle lipídico através do uso de estatinas, o benefício de tratamento com alirocumab ou evolocumab (ambos inibidores de PCSK9) comparado a outras terapias ativas de redução lipídica para prevenção primária de AVC é incerta (nível de evidência 2b). A suplementação de ácido graxo ômega-3 de cadeia longa não é recomendada na prevenção de AVC para adultos que possuam baixa-moderada ingesta desse nutriente (não há benefício comprovado).
O acesso à informação de risco de AVC deve ser efetivado para todos os indivíduos fumantes ativos (mesmo àqueles sob uso de cigarros eletrônicos e vapes que possuam sistema eletrônico de liberação de nicotina) e passivos a fim de estimular a intervenção de cessação do hábito (nível de evidência 1). Em fumantes ativos, a farmacoterapia para auxiliar cessação do hábito associado a mudanças comportamentais é intervenção preferencial do que à aconselhamento comportamental único para o sucesso na cessação do hábito (nível de evidência 1). Por outro lado, o uso de cigarros eletrônicos como substitutos de terapia de reposição de nicotina para facilitar a cessação do hábito em fumantes ativos não é bem estabelecida (nível de evidência 2b).
Como abordar pacientes com estenose carotídea assintomática?
Em primeiro lugar, a diretriz enfatiza que, para pacientes assintomáticos, não há benefício comprovado para rastreio de rotina de estenose carotídea com intuito de reduzir o risco de AVC.
Em casos de pacientes com descoberta de estenose carotídea assintomática, para todos há indicação de terapia médica com prescrição de estatina para redução de risco de AVC (nível de evidência 2a).
Para pacientes com estenose carotídea assintomática acima de 50%, ultrassonografia duplex de carótidas é recomendada a cada 6-12 meses para acompanhar progressão da doença e consequente possibilidade de aumento de risco de AVC (nível 2b de evidência).
Um debate fervoroso nesse tópico abrange sobre como conduzir casos de estenose carotídea grave assintomática quanto à terapia médica versus terapia cirúrgica. Nas últimas duas décadas, o manejo farmacológico nessa população teve grande evolução, de forma que seja novamente questionado sobre os benefícios cirúrgicos como endarterectomia carotídea na redução do risco de AVC conforme estudos antigos como o ACAS (Asyntomatic Carotid Atherosclerosis Study) demonstraram.
Em 2022, foi publicado o ensaio SPACE-2 que tentou responder esse novo questionamento. Contudo, o estudo não demonstrou uma clara superioridade de revascularização carotídea em relação a melhor terapia médica disponível para pacientes com estenose carotídea assintomática grave (estenose de 70-99%) embora seja importante mencionar que esse ensaio clínico foi interrompido precocemente. Ainda não há na literatura um ensaio clínico com grande número amostral para comparar revascularização carotídea versus terapia médica nessa população e, portanto, o benefício da revascularização carotídea em pacientes assintomáticos permanece indefinido.
Como nível 1 de evidência, a diretriz da AHA/ASA em prevenção primária de AVC explicita que, para pacientes com estenose carotídea assintomática grave (70-99%), a decisão entre terapia cirúrgica versus médica deve ser compartilhada com o paciente e a equipe médica para avaliar o melhor método de redução do risco de AVC. Como nível 2b de evidência, a mesma diretriz explicita que em pacientes com estenose carotídea assintomática grave com baixo risco perioperatório, a revascularização carotídea — associada à terapia médica — pode ser opção razoável para redução do risco de AVC. Contudo, ainda na diretriz, como nível 2b de evidência, para pacientes com estenose carotídea assintomática cujo risco perioperatório seja elevado, a revascularização carotídea como método para redução do risco de AVC não é bem estabelecida em literatura.
Por fim, um outro ponto interessante sobre o tema é, em casos que seja optado por terapia cirúrgica, é a escolha da abordagem cirúrgica: endarterectomia carotídea ou terapia endovascular com stenting. O primeiro grande ensaio clínico prospectivo com objetivo em responder esse questionamento foi o CREST-1 que, em geral, apontou taxas similares entre essas intervenções para redução de risco de AVC perioperatório, infarto do miocárdio, óbito e AVC ipsilateral subsequente ao procedimento. Considerando a variável idade, no CREST-1, houve melhores desfechos para terapia endovascular em pacientes < 70 anos e para endarterectomia carotídea em pacientes > 70 anos de idade.
Um estudo que pode ser uma peça-chave para futuras recomendações de abordagem em pacientes com estenose carotídea assintomática grave é o CREST-2. Trata-se de um estudo ainda em andamento, que se propõe a esclarecer se a adição de uma intervenção cirúrgica ao tratamento clínico — seja por meio de endarterectomia carotídea ou colocação de stent — pode oferecer benefícios adicionais na prevenção de AVCs em pacientes com estenose carotídea assintomática.
Como abordar pacientes com doença de pequenos vasos silencioso?
Em adultos com microangiopatia, que incluam infartos silenciosos, o acesso e o manejo de fatores de risco são recomendados para evitar AVC (nível de evidência 1). Nesses pacientes com infartos cerebrais silenciosos, o benefício de terapia antiplaquetária para redução do risco de AVC é incerto (nível de evidência 2b). Ademais, para indivíduos com infartos cerebrais silenciosos que não possuam uma indicação de estatina segundo o guideline da ACC/AHA 2019 para prevenção primária de doença cerebrovascular, a prescrição de dose baixa de estatina pode ser considerada para reduzir o risco de AVC (nível de evidência 2b).
Particularidades do universo feminino
A prevenção de AVC relacionado com o contexto gestacional deve ser realizado a partir do controle de pressão arterial. Mulheres gestantes com PAS ≥ 160 ou PAD ≥ 110 mmHg na gestação ou após 6 semanas do parto possuem recomendação de controle pressório para evitar o risco de hemorragia intracerebral fatal materna.
Mulheres com endometriose, falha ovariana prematura (antes dos 40 anos de idade) ou menopausa precoce (antes dos 45 anos de idade) possuem risco aumentado para AVC. Portanto, o rastreio dessas três condições é razoável para avaliação e manejo de fatores de risco cardiovasculares nessas mulheres a fim de prevenir esse potencial complicação.
Por fim, compreender o universo transgênero é essencial para aprimoramento da prática clínica. Mulheres trans sob uso de terapia hormonal com estrogênico podem ser identificadas como um maior risco para AVC. Portanto, avaliação e modificação de fatores de risco cardiovasculares podem ser benéficas na redução do risco de AVC nessa população.
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