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Neurologia8 agosto 2025

Recomendações para diagnóstico e manejo da Doença de Niemann-Pick tipo C 

Artigo tratou do diagnóstico, manejo e acompanhamento da Doença de Niemann-Pick tipo C no Brasil, considerando a prática clínica.
Por Danielle Calil

A Doença de Niemann-Pick tipo C (NPC) é uma condição genética rara, causada por variantes patogênicas em homozigose ou heterozigose composta nos genes NPC1 ou NPC2, responsáveis pelo tráfego intracelular de colesterol nos lisossomos. O espectro clínico é amplo, variando de formas fetais letais até apresentações crônicas de início tardio, com progressão neurodegenerativa.  

No Brasil, a escassez de informações e a falta de centros especializados resultam em diagnóstico tardio, manejo inadequado e evolução para incapacidades físicas, cognitivas e comportamentais importantes.  

Recomendações sobre diagnóstico e manejo dessa condição foram propostos por comissão internacional desde 2009, com duas atualizações subsequentes publicadas. Um grupo de especialistas brasileiros foi convidado a discutir alguns aspectos relacionados à doença em nível nacional. Os membros do grupo acompanham aproximadamente 35 pacientes com NPC, o que demonstra a grande experiência dos participantes com essa condição rara. Neste ano, a revista Arquivos de Neuropsiquiatria publica os resultados desse consenso de especialistas com a finalidade de propor recomendações para o diagnóstico e manejo da Doença de Niemann-Pick tipo C no Brasil.  

Métodos 

Em julho de 2021, um painel de especialistas foi realizado virtualmente para definir diretrizes nacionais de diagnóstico e manejo da NPC. Antes do encontro, foi enviado um questionário eletrônico abordando características clínicas, exames complementares e terapias disponíveis. As respostas embasaram as discussões e a construção deste consenso. Foram consideradas as recomendações internacionais vigentes, adaptadas para a realidade de acesso e infraestrutura do Brasil.  

Recomendações para diagnóstico e manejo da Doença de Niemann-Pick tipo C 

Recomendações para Doença de Niemann-Pick tipo C 

Diagnóstico 

Deve-se investigar ativamente a idade de início dos sintomas considerando informação do ponto de vista prognóstico, isto é, quanto mais precoce o início dos sintomas, pior o prognóstico.  

As manifestações clínicas variam conforme a faixa etária:  

  • Pré/Perinatal: É esperado encontrar achados sistêmicos como ascite/hidropisia fetal, hepatoesplenomegalia, icterícia neonatal prolongada/colestase, trombocitopenia, doença pulmonar, insuficiência hepática. Já, do ponto de vista neurológico, é esperado encontrar falha de crescimento e hipotonia. 
  • Infantil precoce/tardia: Durante a fase infantil precoce, pode ser encontrado achados sistêmicos como hepatoesplenomegalia ou esplenomegalia (isolada ou associada a manifestações neurológicas), icterícia neonatal prolongada/colestase; enquanto, do ponto de vista neurológico, pode ser encontrado hipotonia central, atraso no desenvolvimento motor, lembrando a síndrome do bebê flácido, atraso na fala, disfagia, espasticidade, paralisia supranuclear vertical do olhar e ataxia. Já na fase infantil mais tardia, além dos achados sistêmicos já mencionados na fase precoce, pode ser encontrado atraso ou regressão do desenvolvimento, atraso na fala, falta de coordenação motora, quedas frequentes, ataxia progressiva, distonia, disartria, disfagia, crises epilépticas (focais ou generalizadas), cataplexia gelástica, paralisia supranuclear vertical do olhar e perda auditiva. 
  • Juvenil/Adulto: Em pacientes juvenis, manifestações incluem hepatoesplenomegalia ou esplenomegalia (isolada ou associada a manifestações neurológicas; muitas vezes ausente), baixo desempenho escolar, dificuldade de aprendizagem, perda de habilidades de linguagem, quedas frequentes, falta de coordenação motora, ataxia progressiva, disartria, distonia, discinesia, disfagia, paralisia supranuclear vertical do olhar, cataplexia gelástica, crises epilépticas e alterações comportamentais. 

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Considerando a suspeita de doença de NPC, recomenda-se testes diagnósticos conforme o Fluxograma abaixo elaborado pelo painel de especialistas. Considerando investigação de neuroimagem e a realidade nacional, recomenda-se escolha de apenas um exame de neuroimagem, preferencialmente a ressonância magnética (RM) do encéfalo. 

Fluxograma para confirmação diagnóstica, considerando o cenário brasileiro. Abreviações: Lyso-SM-509 (Lisoesfingomielina 509); MLPA (Amplificação de Sonda Dependente de Ligação Múltipla); NPC (Doença de Niemann-Pick Tipo C), VUS (Variante de Significado Incerto). **Nota: Outras técnicas moleculares mais abrangentes podem ser necessárias. Fluxograma adaptado da referência [1]. 

 

Um comentário importante acerca dos testes diagnósticos genéticos é que a deleções genômicas e variações profundas em regiões intrônicas não são incomuns na doença de NPC, sendo muitas vezes necessária uma caracterização molecular mais detalhada para se estabelecer o diagnóstico definitivo em casos complexos. Assim, em situações em que não são encontradas variantes patogênicas (ou apenas uma é identificada), pode haver necessidade de sequenciamento de promotores e regiões intrônicas mais profundas. Técnicas moleculares mais abrangentes devem ser consideradas, como amplificação de sonda dependente de ligação múltipla (MLPA) e reação em cadeia da polimerase quantitativa (qPCR), para detectar rearranjos genômicos (deleções exônicas ou de todo o gene). 

Tratamento Doença de Niemann-Pick tipo C 

Todos os pacientes possuem indicação de cuidados de suporte imediatos após o diagnóstico de NPC, a fim de reduzir o impacto da doença. Tais cuidados contemplam: 

  • Programa de reabilitação: Proporcionar cuidado personalizado para fornecer auxílios adequados à marcha/mobilidade e órteses tornozelo-pé, visando manter a mobilidade ideal e reduzir quedas. 
  • Acompanhamento fonoaudiológico e nutricional: Orientações sobre modificações dietéticas e posturas compensatórias para otimizar deglutição e comunicação. 
  • Miorrelaxantes (Baclofeno, tizanidina, benzodiazepínicos, dantroleno sódico e injeções de toxina botulínica): Podem ser úteis quando medidas não farmacológicas forem insuficientes para tratamento de espasticidade. 
  • Modificações dietéticas e em estilo de vida: Otimizar a consistência das fezes e evitar impactação fecal, incontinência ou diarreia. 
  • Protriptilina, outros antidepressivos tricíclicos ou modafinil: Podem ser usados para controle de cataplexia. 
  • Antiepilépticos: Prescritos conforme o tipo de crise epiléptica (quando presente). 
  • Adesivos transdérmicos de hioscina hidrobrometo, glicopirrônio oral, subcutânea ou por gastrostomia, pequenas doses de atropina oral ou injeções de toxina botulínica nas glândulas parótidas/submandibulares: Para controle de hipersalivação/sialorreia. 
  • Avaliação auditiva anual e uso de aparelhos auditivos: Para melhorar a comunicação geral. 

Atualmente, apenas uma terapia modificadora da doença para NPC está disponível globalmente. O miglustate (aprovado pela Anvisa em 2019), embora não seja incorporado pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para o tratamento da NPC, é recomendado por este painel de especialistas para todos os pacientes com NPC com indicação desta terapia, geralmente ao primeiro sinal neurológico ou psiquiátrico ─ exceto aqueles em estágio neurológico terminal ou que apresentem apenas sintomas viscerais. 

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Uma ponderação realizada nessa publicação é a aplicação dessa droga modificadora de doença em cenário de escassez de recursos financeiros, no que cerne a relação entre benefícios clínicos e custos das tecnologias de saúde. Considerando a perspectiva sérvia do Serbian Republic Health Insurance Fund, em um horizonte de 8 anos, o miglustate não se mostrou custo-efetivo em comparação à terapia apenas sintomática para NPC. Dada a eficácia do miglustate, uma redução de preço poderia alterar esse cenário. Novas análises de custo-efetividade, portanto, principalmente em realidade nacional, são necessárias. 

Outras terapias emergentes têm sido investigadas, seja em fase de pesquisa ou aprovação internacional, como arimoclomol, VTS-270 e N-acetil-leucina. 

Comentários finais 

Apesar de ser uma doença incurável até o momento, a NPC é uma condição manejável quando há diagnóstico precoce, intervenção terapêutica adequada e suporte multidisciplinar contínuo. O uso racional de miglustat, associado a estratégias de suporte, pode retardar a progressão e melhorar a qualidade de vida. A organização em rede de centros de referência é essencial para garantir acesso aos testes diagnósticos mais complexos, tratamentos específicos e seguimento adequado dos pacientes brasileiros.  

Mensagem prática 

Reconhecer a conjuntura clínica da Doença de Niemann-Pick tipo C é importante para aventar hipóteses para essa condição na prática clínica a fim de realizar propedêutica e diagnóstico mais precoce. Realizar o diagnóstico precoce, o uso oportuno de miglustat e o suporte individualizado são pilares para retardar a evolução da doença e oferecer melhor qualidade de vida ao paciente e aos cuidadores.

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Referências bibliográficas

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