O carcinoma urotelial avançado, especialmente em sua forma metastática, continua sendo um desafio terapêutico na oncologia. Apesar dos avanços recentes, como a imunoterapia, muitos pacientes ainda têm opções limitadas de tratamento após a falha das terapias de primeira linha. Nos últimos anos, a busca por biomarcadores que possam guiar terapias-alvo tornou-se uma área de intensa investigação. Entre eles, o receptor do fator de crescimento epidérmico humano 2 (HER2) ganhou destaque, especialmente com o desenvolvimento de novas terapias, como os conjugados anticorpo-fármaco (ADCs), que demonstraram atividade em tumores com expressão mesmo baixa de HER2.
Em câncer de mama e gástrico, a avaliação de HER2 já é rotina e bem padronizada, mas no carcinoma urotelial, essa prática ainda não está estabelecida. Estudos anteriores eram limitados por amostras pequenas, heterogeneidade metodológica e falta de consenso na classificação. Este artigo preenche uma lacuna crucial ao fornecer dados robustos sobre a prevalência de expressão proteica e amplificação gênica de HER2 em uma coorte ampla e diversificada, oferecendo subsídios para a prática clínica e para o desenho de futuros estudos.
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Desenho metodológico
Os pesquisadores realizaram um estudo transversal utilizando 2.024 amostras de tecido de carcinoma urotelial avançado (sítio primário ou da metástase), fixadas em formol e incluídas em parafina. As amostras foram obtidas de fontes comerciais na América do Norte, Europa e Ásia, com critérios rigorosos de inclusão: fixação adequada, pelo menos 35% de células tumorais e não mais que 20% de necrose.
A expressão da proteína HER2 foi avaliada por imuno-histoquímica (IHC), utilizando o anticorpo monoclonal 4B5, seguindo protocolo semelhante ao usado em câncer de mama. A amplificação do gene ERBB2 foi detectada por hibridização in situ dupla (DISH), que permite visualizar simultaneamente o gene e o centrômero do cromossomo 17.
Os patologistas envolvidos foram treinados e certificados, e as leituras foram realizadas de forma cega para evitar viés. A classificação do status de HER2 seguiu critérios consolidados em outras neoplasias:
– HER2-zero: IHC 0 (sem expressão)
– HER2-low: IHC 1+ ou IHC 2+ sem amplificação no DISH
– HER2-positivo: IHC 3+ ou IHC 2+ com amplificação no DISH
Além disso, os autores avaliaram a heterogeneidade da expressão entre diferentes cortes do mesmo bloco de tecido e entre amostras primárias e metastáticas pareadas.
População envolvida
A coorte foi composta por 2.024 amostras, sendo a grande maioria (1.968) de tumores primários e 56 de metástases. A idade mediana dos pacientes foi de 68 anos, com ampla variação (22-107 anos), refletindo a faixa etária típica do carcinoma urotelial. Houve predomínio do sexo masculino (79,2%), consistente com a epidemiologia conhecida da doença.
Quanto à origem geográfica, 58,2% das amostras eram da Europa, 18% da América do Norte e 23,8% da Ásia. A distribuição racial, quando informada, mostrou maioria de brancos (60,4%) e asiáticos (39,2%). Em relação ao estádio, 42,7% eram estágio II, 49,4% estágio III e 7,9% estágio IV. A maioria das amostras primárias foi obtida por ressecção cirúrgica (83,6%), e o restante por ressecção transuretral.
Resultados
Os resultados revelam que mais da metade dos tumores (52,5%) apresentou algum grau de expressão de HER2:
– 14,7% foram classificados como IHC 1+
– 24,6% como IHC 2+
– 13,2% como IHC 3+
A expressão foi semelhante entre tumores primários e biópsia das metastáses, com uma leve tendência de maior expressão nas metástases (60,7% vs. 52,2%), mas sem significância estatística. Curiosamente, amostras obtidas por ressecção transuretral tiveram maior taxa de expressão (65%) do que as cirúrgicas (49,7%), possivelmente refletindo viés de seleção ou características tumorais.
A amplificação do gene ERBB2 foi detectada em 11,6% dos casos. Houve uma forte correlação entre a intensidade da expressão imuno-histoquímica e a amplificação gênica:
– IHC 0: 2,7% amplificados
– IHC 1+: 3,7% amplificados
– IHC 2+: 9,6% amplificados
– IHC 3+: 56,2% amplificados
Isso significa que, mesmo entre os tumores com IHC 0 ou 1+, uma pequena parcela apresenta amplificação gênica, o que pode ter implicações clínicas.
Quando classificados conforme o status clínico de HER2:
– 47,5% foram HER2-zero
– 36,9% HER2-low
– 15,6% HER2-positivo
A análise de heterogeneidade mostrou boa concordância intra-bloco e entre sítios primário e metastático, sugerindo que a biópsia primária pode ser suficiente para orientar a terapia, embora em alguns casos a reavaliação da metástase possa identificar alterações.
Considerações clínicas e implicações para a prática
Este estudo confirma que uma proporção significativa de pacientes com carcinoma urotelial avançado expressa HER2 em nível detectável, abrindo portas para terapias dirigidas. Quase 40% dos tumores se enquadram nas categorias HER2-low ou HER2-positivo, que são alvos em estudos com ADCs como trastuzumabe deruxtecano.
Na prática clínica, isso significa que:
Testar HER2 deve ser considerado em pacientes com doença avançada, mesmo que a amplificação gênica não seja detectada, já que a expressão proteica baixa (IHC 1+ ou 2+) pode ser suficiente para beneficiar-se de algumas terapias.
A imuno-histoquímica é um método válido e acessível para triagem, mas em casos de IHC 2+, o teste de amplificação (DISH ou FISH) é necessário para definir HER2-positivo.
A heterogeneidade é um desafio, mas a concordância entre sítios sugere que a amostra primária é geralmente representativa. Ainda assim, na progressão metastática, pode valer a pena reavaliar o status de HER2.
Este trabalho também alerta para a necessidade de padronização dos critérios de avaliação de HER2 no carcinoma urotelial, assim como ocorreu em mama e estômago. Enquanto diretrizes específicas não forem estabelecidas, oncologistas e patologistas devem adotar os critérios atuais com cautela, interpretando os resultados à luz do contexto clínico.
Destaca-se que quase 3% dos tumores IHC 0 tinham amplificação gênica, que mostra um grupo que poderia ser negligenciado se apenas a IHC fosse realizada. Isso reforça a importância de, em contextos de pesquisa e em casos selecionados, considerar testes genômicos complementares.
Autoria

Gabriel Madeira Werberich
Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.
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