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Reumatologia9 novembro 2024

Novas recomendações britânicas para o tratamento da esclerose sistêmica

Recentemente, a British Society of Rheumatology (BSR) publicou novas recomendações sobre o manejo dos pacientes com esclerose sistêmica
Por Gustavo Balbi

A esclerose sistêmica (ES) é uma doença autoimune com acometimento multiorgânico, cujo tratamento é, muitas vezes, desafiador. Cerca de 30-40% dos pacientes desenvolvem doença intersticial pulmonar, que é a principal causa de morte nesse contexto. 

Devido ao grande número de manifestações clínicas possíveis, estratégias de rastreamento e diagnóstico precoce de complicações são úteis e, portanto, diretrizes endossadas por grandes sociedades nacionais e internacionais são de extrema relevância. 

Recentemente, a British Society of Rheumatology (BSR) publicou suas novas recomendações sobre o manejo dos pacientes com ES, uma atualização dos antigos guidelines publicados em 2015. 

esclerose sistêmica

Métodos 

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura, com avaliação da evidência retornada utilizando a estratégia GRADE. As perguntas foram elaboradas pelo comitê gestor das recomendações. As recomendações foram avaliadas conforme a força da recomendação (1 – risco ou benefício são claros / 2 – risco ou benefícios são próximos ou incertos), qualidade da evidência (A – alta, B – moderada, C – baixa ou muito baixa) e concordância entre os painelistas (SoA). 

Veja também: Novos guidelines da SBR para o tratamento farmacológico da esclerose sistêmica 

Diagnóstico precoce

O fenômeno de Raynaud (FRy) é uma janela de oportunidade para o diagnóstico precoce da ES, mas devemos lembrar que nos casos das formas difusas de ES, o FRy pode surgir junto ou posteriormente aos demais sintomas não-FRy. 

No exame físico, devemos buscar puffy fingers, uma vez que, juntamente com o FRy, fazer parte do quadro de VEDOSS (very early diagnosis of systemic sclerosis). Essas alterações devem desencadear a propedêutica adequada para que o diagnóstico de VEDOSS seja feito. Devem ser solicitados FAN, capilaroscopia de leito ungueal e anticorpos específicos para esclerose sistêmica (anticentrômero, anti-Scl70 e anti-RNA polimerase III). 

Abordagem da classificação e estratificação de risco 

Os autores sugerem que o diagnóstico clínico seja validado pelo uso de critérios de classificação validados (1A, SoA 96%). O tipo de acometimento cutâneo e os autoanticorpos específicos da ES auxiliam na estratificação do risco de complicações de órgãos específicos pela doença (1B, SoA 97%). A capilaroscopia de leito ungueal deve ser realizada como parte da propedêutica inicial e para os pacientes com suspeita de ES (2C, SoA 96%). 

Avaliação geral dos pacientes com ES

Os pacientes com ES devem ser avaliados com relação à presença de sintomas cutâneos, FRy, sintomas gastrointestinais (especialmente gastroesofágicos) e pulmonares em toda consulta. 

Os pacientes com a forma cutânea difusa precoce devem receber especial atenção, porque existe a possibilidade de controle da doença em um momento no qual a prevenção de complicações é possível. A forma difusa precoce foi definida pelos autores como início dos sintomas não-FRy há menos de 3 anos (2C, 94%). Todos os casos de forma difusa devem ser considerados para o uso de micofenolato mofetil para tratamento da fibrose cutânea (1C, 96%); eventualmente, pode ser considerado o encaminhamento para ensaios clínicos com rituximabe, tocilizumabe ou transplante autólogo de medula óssea (2B, 97%). O acompanhamento multdisciplinar é importante para todos os casos. 

Com relação ao rastreamento neoplásico, os pacientes com ≥65 anos ou fenótipo clínico sugestivo de ES paraneoplásica (sobreposição com dermatomiosite, anti-RNA polimerase III, fibrose palmar, sintomas sugestivos de neoplasia) devem ser rastreados para neoplasias pertinentes para a idade (2C, SoA 95%). Exames específicos, como TC de tórax, abdome e pelve e/ou FDG-PET/CT, devem ser considerados em casos específicos, de maneira individualizada (2C, SoA 95%). Rastreamentos periódicos devem ser realizados para pacientes com suspeita clínica ou alto risco para esôfago de Barrett e para pacientes com dose cumulativa alta de ciclofosfamida (2C, SoA 94%). 

Tratamento das complicações da ES

1) Doença intersticial pulmonar 

O micofenolato é o medicamento de escolha no tratamento da doença intersticial pulmonar (DIP) relacionada à ES. O rituximabe e a ciclofosfamida EV podem ser usadas como alternativas (1B). Na presença de doença progressiva, considerar a adição de rituximabe ou tocilizumabe (2C). O nintedanibe deve ser considerado na doença progressiva (1B). 

2) Hipertensão arterial pulmonar 

O diagnóstico da hipertensão arterial pulmonar (HAP) deve ser realizado com o cateterismo do coração direito (1B). A anticoagulação não está recomendada (1B). 

3) Renal 

Os inibidores da ECA (iECA) devem ser prescritos para todos os casos de crise renal esclerodérmica (CRE) (1A). Tratamento com glicocorticoide deve ser evitado nos pacientes com ES, devido ao risco de CRE (1A). A biópsia renal deve ser considerada quando o diagnóstico é incerto (1C). Deve-se considerar o encaminhamento para transplante renal nos casos sem melhora significativa (1B). 

4) Cardíaca 

Imunossupressão com micofenolato é indicada para pacientes com miocardite pela ES (2C). Nesse contexto, o uso de glicocorticoides pode ser considerado, assim como a troca para ciclofosfamida (2C). 

5) Gastrointestinal 

Pacientes com refluxo devem ser tratados com inibidores de bomba de prótons e/ou antagonistas H2 (1C). Para pacientes com desnutrição grave, devemos considerar nutrição parenteral (1B). Nos casos de supercrescimento bacteriano (SIBO), deve-se prescrever antibioticoterapia intermitente ou em rodízio (2B). Intervenções cirúrgicas devem ser evitadas nos casos de ES (1C). 

Leia mais: Manifestações gastrointestinais na esclerose sistêmica (ES)

6) Pele 

O micofenolato mofetil é o tratamento de primeira linha para espessamento cutâneo nas formas difusas (1C). Se o paciente apresentar prurido, os anti-histamínicos podem ser prescritos (2C). Para os pacientes que apresentam queixas estéticas relacionadas às telangiectasias, podem ser usados camuflagem de pele, laser pulsado ou fototerapia pulsada (1B). 

7) Fenômeno de Raynaud 

Os bloqueadores dos canais de cálcio e outros vasodilatadores podem ser utilizados no tratamento do FRy (1B). Os inibidores da PDE5 podem ser usados como agentes de segunda linha, conforme opinião dos especialistas (1B). Nos casos graves de FRy, com risco de perda de membro, os prostanoides EV podem ser considerados (1C). 

 8) Úlceras digitais 

Vasculopatia grave com necrose e isquemia digital necessita de avaliação urgente (1C). Os medicamentos de primeira linha para a cicatrização e prevenção das úlceras digitais são a sildenafila (ou tadalafila); a bosentana pode ser usada como segunda linha de tratamento (1C). Os prostanoides EV podem ser úteis para acelerar a cicatrização (opinião de especialista – 1C). 

Comentários

As novas recomendações da BSR estão em consonância com as demais recomendações para o tratamento da esclerose sistêmica, incluindo as da Sociedade Brasileira de Reumatologia. 

O conhecimento dessas informações pode auxiliar no melhor cuidado dos pacientes acometidos por essa grave doença, com grande potencial mórbido. 

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Referências bibliográficas

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