Cirurgia bariátrica é segura em pacientes com doença renal crônica?
Apesar dos recentes avanços no tratamento medicamentoso da obesidade, a cirurgia bariátrica permanece como uma das principais formas de tratamento da condição nas situações em que está indicada, com alta taxa de sucesso em termos de perda de peso e sobretudo na redução da morbimortalidade nesses pacientes.
A doença renal crônica (DRC) é uma comorbidade menos comumente lembrada como associada à obesidade, porém sabe-se que o excesso de peso pode contribuir para a DRC seja de forma direta ou indireta, por meio do aumento no risco de comorbidades como diabetes (DM) e hipertensão (HAS).
Existe alguma incerteza sobre o quanto algumas comorbidades, como a própria DRC, poderiam afetar os resultados da cirurgia bariátrica, tanto em termos de perda de peso como em outros desfechos.
Esse contexto explica a elaboração de uma revisão sistemática com metanálise, cujo objetivo foi avaliar o impacto e segurança da cirurgia bariátrica em indivíduos com DM2 e DRC. O estudo foi publicado no periódico Obesity Surgery recentemente.
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Métodos
O estudo foi uma revisão sistemática com metanálise de ensaios clínicos randomizados (RCTs) que analisou dados da literatura entre 2013 e 2023 que reportavam dados de segurança, perda de peso total e controle metabólico em indivíduos com e sem DRC. Foram analisados base de dados da MEDLINE (PubMed), LILACS e Embase, além da literatura “cinzenta” através de buscas no em mecanismos de pesquisa.
Foram incluídos ensaios clínicos randomizados (ECRs) de indivíduos adultos com obesidade (IMC > 30 kg/m²), com DM2 e com ou sem DRC, contendo dados sobre eficácia em perda de peso e desfechos metabólicos como HbA1c e perfil lipídico. Os métodos cirúrgicos avaliados foram o bypass gástrico em Y de roux e gastrectomia vertical (sleeve).
Após a seleção dos artigos, realizada pelos pesquisadores de forma independente, 44 estudos foram incluídos na análise, representando 1470 pacientes.
O objetivo primário foi avaliar a diferença na perda total de peso após um e cinco anos. Também foi analisado o impacto da cirurgia no controle glicêmico e no perfil lipídico.
Resultados
A cirurgia bariátrica se mostrou igualmente eficaz em indivíduos com DRC e no grupo controle, sem DRC. Não houve diferenças na perda total de peso após um ou cinco anos do procedimento:
- Um ano: -19% (grupo DRC) vs. -15% (grupo controle); p = 0,13
- Cinco anos: -20% (grupo DRC) vs. -16% (grupo controle); p = 0,5
Da mesma forma, a cirurgia bariátrica foi igualmente eficaz em reduzir os desfechos metabólicos em indivíduos com ou sem DRC:
- HbA1c após um ano: -1,06% (grupo DRC) vs. -1,52% (grupo controle); p = 0,26
- HbA1c após cinco anos: -0,97% (grupo DRC) vs. -1,09% (grupo controle); p = 0,85
Também não foram observadas diferenças na glicemia de jejum, níveis de LDL e triglicérides entre os grupos.
Considerações sobre segurança
Os autores chamaram a atenção para a não padronização dentro dos estudos para a descrição de eventos adversos e, por que motivo, não foi possível realizar a metanálise desses dados. Porém, descritivamente, poucas complicações foram apontadas individualmente nos estudos analisados.
Um fator que deve ser levado em conta é que não houve distinção entre os estágios da DRC, agrupando todos os indivíduos e não permitindo conclusões sobretudo a respeito de pacientes com níveis mais avançados da doença, que provavelmente devem ter sido sub-representados dentro da revisão. Logo, devemos tomar cuidado ao generalizar tais achados.
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Conclusão
Esta revisão com metanálise reforça o valor da cirurgia bariátrica no tratamento da obesidade mesmo em indivíduos com DRC. Lembrando que a obesidade em si é um fator de risco para desenvolvimento e progressão da condição e, até por tal motivo, precisa ser endereçada e adequadamente tratada. Além disso, a cirurgia por si só pode impactar positivamente a progressão da DRC. Dados de estudos retrospectivos mostram uma redução de risco de progressão de DRC estágio III para insuficiência renal em estágio final em 70% após 2 anos e 60% após cinco anos.
Apesar de não haver ensaios clínicos randomizados, a plausibilidade biológica e esses dados reforçam a importância da cirurgia bariátrica nessa população. A lacuna ainda não preenchida é com relação aos eventos adversos. Dados advindos de futuros ensaios clínicos randomizados podem ajudar na compreensão sobre a segurança do procedimento para esses pacientes.
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