Pancreatite aguda: drenagem imediata ou adiada?
Felizmente a maior parte dos casos de pancreatite são considerados leves e praticamente nenhuma alteração sistêmica é observada e os pacientes possuem um ótimo desfecho a longo prazo. No entanto, a mesma realidade não se aplica nos casos de pancreatite grave, especialmente àquelas relacionadas com necrose pancreática infectada. Inicialmente a infecção da necrose era tratada com grandes cirurgias imediatas de necrosectomia, que tinham como objetivo diminuir a condição inflamatória destes pacientes, o que não repercutiu numa melhora da sobrevida.
Ao longo dos anos, associada a uma grande morbidade cirúrgica, culminou com a prática do step-up approach com punções para drenar as coleções infectadas e posteriormente cirurgias minimamente invasivas para terminar o tratamento propriamente dito. No entanto, ainda existem algumas dúvidas de qual o melhor momento para iniciar o tratamento de punções.
O trabalho apresentado na Annals of Surgery, fez uma comparação dos resultados a longo prazo (após seis meses) entre dois grupos randomizados, a drenagem imediata após o diagnóstico da infecção da necrose, ou adiar a drenagem. Importante entender que nesse estudo, além dos métodos usuais para definição de necrose infectada, também foi atribuído o critério clínico de infecção, quando nenhum outro foco infeccioso era encontrado. Na época do trabalho, não se utilizava a procalcitonina para auxiliar essa determinação.
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Métodos e resultados
No total foram atribuídos 55 pacientes para drenagem imediata e 45 para o adiamento da drenagem. O desfecho principal foi o óbito e complicações graves como novos surtos de pancreatite, sangramento e falência multiorgânica. Enquanto desfechos secundários avaliou as morbidades associadas e sequelas do tratamento.
Nos seis meses de observação inicial do estudo 12 dos 104 pacientes do estudo foram a óbito, sendo 7 do grupo drenagem imediata e 5 do grupo drenagem adiada. Posteriormente outros 4 pacientes retiraram o termo de consentimento e assim permaneceram 54 pacientes no grupo imediato e 46 no grupo drenagem adiada.
Na análise combinada, o óbito ocorreu em 15% do grupo imediato e 17% do grupo adiada com p=0,78. Durante o tempo de observação, todos os pacientes do grupo imediato receberam a drenagem, enquanto apenas 30/46 (65%) no grupo adiado; RR 1,53 – 95% IC 1.24-1,89, p < 0,001. Assim como a necreostectomia foi realizada em maior número de pacientes com a drenagem imediata sendo um RR 1,17; 95% IC 1,22-3,86; p=0,001. De forma semelhante houve um menor número de intervenções no grupo com o adiamento da drenagem. Interessante notar que 14 pacientes incluídos no estudo não realizaram nenhuma drenagem e permaneceram assim, sem intervenção durante o período de observação.
Discussão
Os dados desse trabalho demonstram que adiar o procedimento de drenagem está associado a um menor número de reintervenções e também, em algumas situações, até elimina a necessidade de procedimentos. Ainda não possuímos dados para definir com exatidão qual o melhor momento para drenagem, no entanto, alguns outros estudos sugerem que uma drenagem mais precoce pode ser benéfica em pacientes com falência orgânica.
Um importante achado desse trabalho é o fato que 35% dos pacientes que tiveram sua drenagem adiada não necessitaram de nenhuma intervenção, com tratamento exclusivamente por antibiótico. Esse achado está em linha com outros estudos que também demonstraram um benefício do tratamento isolado com antibióticos, desde que o paciente esteja sem disfunção orgânica múltipla. Outro achado interessante foi que a drenagem imediata ou adiada diminui a taxa de realização de necrosectomy, sendo 51% no grupo imediato e 22% no grupo adiado (p=0,004), ainda menores que taxas de outros estudos que variaram de 51% a 60%.
Em conclusão, o adiamento da drenagem pode vir a ser a tática preferida, com menores números de intervenções e resultados globais semelhantes, porém ainda é necessário individualizar cada caso.
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Para levar para casa
O tratamento da pancreatite é cheio de nuances e dificuldades técnicas, especialmente quando o paciente está grave. Nos pacientes sem grande instabilidade clínica, adiar qualquer procedimento parece ser a melhor conduta. O que ainda não sabemos é por quanto tempo e quando.
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