Quando encaminhar o paciente com câncer para cuidados paliativos?
A abordagem do Cuidado Paliativo não auxilia somente no controle de sintomas, como também acrescenta sobrevida na população de pacientes com câncer.
Essa pergunta gera muitas dúvidas, mesmo com a comprovação em estudos científicos recentes de que abordagem do cuidado paliativo não auxilia somente no controle de sintomas de ordem física, psicossocial ou espiritual, como também acrescenta sobrevida na população de pacientes com câncer.
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Embora diversas organizações, como a Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), reforcem o encaminhamento apropriado aos cuidados paliativos, a problemática da ausência de um consenso para o encaminhamento para o atendimento ambulatorial gera, na maioria dos casos, encaminhamentos inconsistentes e tardios.
Nesse sentido, o momento ideal de encaminhamento possibilita a otimização de recursos escassos, pois previne os encaminhamentos atrasados ou muito precoces. Quando muito cedo, pode não trazer tanto benefício devido às poucas preocupações, além de sobrecarregar o serviço, muitas vezes pequeno, devido a um grande volume de consultas antecipadas.
Para responder essa pergunta David Hui juntamente com Eduardo Bruera e colaboradores, do Departamento de Cuidados Paliativos, Reabilitação e Medicina Integrativa, do MD Anderson Cancer Center, em Houston, Texas, publicaram em dezembro de 2016, no Lancet, um consenso internacional sobre os critérios de referência do paciente com câncer avançado em hospitais secundários e terciários para atendimento ambulatorial em Cuidados Paliativos.
Encaminhamento de pacientes com câncer para cuidados paliativos
Para o desenvolvimento desse consenso foi realizado um estudo Delphi com 60 especialistas internacionais que identificaram com média de 88-100% de concordância 11 critérios principais e 36 critérios menores para solicitar o encaminhamento para cuidados paliativos. A presença de qualquer critério principal é suficiente para indicar o encaminhamento. Os critérios menores, na ausência de outros fatores principais não devem ser usados individualmente para acionar um encaminhamento.
Seguem abaixo os 11 critérios principais (nove baseados na necessidade e dois no tempo) para referenciar pacientes oncológicos para ambulatório de Cuidados Paliativos:
- Sintomas físicos graves (ex.: dor, dispneia ou náusea, com ESAS> ou = 7);
- Sintomas emocionais graves (ex.: depressão, ansiedade com ESAS> ou =7);
- O paciente pede para morrer ;
- Sofrimento espiritual ou existencial ;
- Necessidade de assistência na tomada de decisão ou planejamento de cuidados (ex.: auxílio em decisões sobre tratamento de câncer ou suporte avançado de vida);
- Paciente solicita Cuidados Paliativos;
- Presença de delirium;
- Presença de metástases cerebrais ou leptomeníngeas;
- Presença de compressão medular ou de cauda equina;
- Três meses após o diagnóstico de câncer avançado ou incurável em pacientes com sobrevida menor ou igual a 1 ano;
- Diagnóstico de câncer avançado em progressão de doença em vigência de quimioterapia de segunda linha (incurável).
É ressaltado que esses critérios devem ser norteadores com objetivo de aumentar, em vez de substituir, o julgamento clínico e que necessitam ser personalizados para cada instituição de acordo com disponibilidade de recursos e a cultura local de assistência médica.
O estudo
Em maio/2019, novamente David Hui com Eduardo Bruera e colaboradores publicaram no “Supportive Care in Cancer” um estudo retrospectivo realizado em seu serviço entre 1 de janeiro de 2016 e 18 de fevereiro de 2016 para compreender melhor esses critérios de referência. O objetivo era determinar a proporção de pacientes encaminhados para cuidados paliativos que atendiam aos principais critérios de referência.
A maioria, 85%, atenderam a pelo menos um dos 11 principais critérios no momento do encaminhamento para cuidados paliativos fato que sustenta a aplicabilidade na prática clínica. Os critérios mais comuns foram relacionados ao sofrimento físico grave (70%), seguido do sofrimento emocional grave (18%), assistência na tomada de decisão/ planejamento assistencial (13%) e metástases cerebrais/leptomeníngeas 13%. Quanto aos critérios relacionados ao tempo 27% foram encaminhados dentro de 3 meses após o diagnóstico de câncer avançado e 32% após progressão de ≥ 2 linhas de terapia sistêmica paliativa.
Conclusões
Foi concluído que a referência baseada nesses critérios pode facilitar o encaminhamento mais precoce para esses pacientes. Mas, ressalta que muitos serviços de cuidados paliativos podem não ter recursos para absorver todos os pacientes referenciados com base nesses critérios aumento da carga de trabalho. Destaca também algumas limitações como ser um estudo de um único centro, um centro de câncer terciário, além de pertencerem a um grande serviço de cuidados paliativos com relativa cultura de encaminhamento precoce.
Portanto, é possível utilizar o consenso como um orientador na construção, com os recursos de cada instituição, de um fluxo de encaminhamentos, lembrando sempre do cuidado paliativo como uma abordagem necessária e transformadora do cuidado do paciente e de sua família.
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