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Neurologia15 março 2018

Intoxicação por chumbo: como suspeitar e o que fazer?

Em fevereiro deste ano, saiu no noticiário uma reportagem sobre o vazamento de bauxita. Vamos focar no chumbo e imaginar que você está em um posto de saúde ou hospital municipal e atenderá um paciente sob suspeita de intoxicação por chumbo.

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Em fevereiro deste ano, saiu no noticiário uma reportagem sobre o vazamento de bauxita (matéria-prima para produção de alumínio) no município de Barcarena, interior do Pará. Os próprios moradores perceberam, com as fortes chuvas que alagaram muitos pontos da cidade, que a água apresentava coloração avermelhada característica deste minério.

Isso fez com que as autoridades acionassem o Instituto Evandro Chagas (IEC) de Belém-PA, ligado ao Ministério da Saúde, para um laudo pericial, que confirmou a contaminação das águas de rios e igarapés (como são chamados pequenos rios que adentram porções de terra na Amazônia), utilizadas pelos moradores para consumo, banho, lazer, etc. Esse fato mobilizou o Ministério Público Estadual do Pará e Ministério Público Federal entre diversos órgãos de legislação ambiental a tomarem providências.

Na análise do IEC verificou-se altos índices de sódio, nitrato, alumínio e chumbo. Vamos focar no chumbo desta lista e imaginar que você está em um posto de Saúde da Família – PSF ou hospital municipal em Barcarena e atenderá um paciente sob suspeita de intoxicação por chumbo.

Chumbo, assim como o mercúrio, é xenobiótico, um composto químico estranho a um organismo ou sistema biológico (do grego, xenos = estranho). Nosso organismo não produz nem se espera encontrar estes metais no organismo, sendo assim, teoricamente, eles são capazes de produzir efeitos tóxicos em qualquer nível de exposição.

Recentemente, foram desenvolvidas técnicas de fluorescência de raios K-x (KXRF) para determinação de níveis de chumbo ósseo in vivo de forma segura. Esta avaliação está relacionada a intoxicação crônica por chumbo, diferente da intoxicação aguda, determinada pelos níveis sanguíneos do metal. Os níveis elevados da concentração de chumbo nos ossos foram relacionados a alto risco de hipertensão e declínio cognitivo, aumento nos índices de morbimortalidade cardiovascular, assim como já foi demonstrada sua associação com desenvolvimento de Doença de Parkinson, perda auditiva e Esclerose Lateral Amiotrófica, além de riscos gestacionais de prejuízo no crescimento do feto e atraso de desenvolvimento durante a gestação e após nascimento.

Chumbo:

DE ONDE VEM: Fabricação e uso caseiro de baterias de automóvel, tintas (casas antigas com paredes descascando), vidros, soldas, encanamentos, indústria armamentista, cerâmicas mal-vitrificadas, queima de combustíveis fósseis, etc.

COMO ABSORVEMOS: Através da pele, da inalação ou da ingestão. Quando for dosar, deverá ser testado o sangue total (e não o soro), devido seu sequestro nos eritrócitos. Distribuem-se amplamente nos tecidos moles com meia-vida de 30 dias e no tecido ósseo com meia-vida de > 20 anos. Principal excreção é urinária, embora também possa ser encontrado em outras secreções, como o leite materno.

COMO O PACIENTE SE APRESENTA: Dor abdominal, irritabilidade, letargia, anorexia, anemia, síndrome de Fanconi, piúria, retardo de desenvolvimento, convulsões (níveis mais elevados), também podem surgir “linhas de chumbo” nas placas epifisárias nas radiografias dos ossos longos. Nos adultos também com sintomas agudos verifica-se: artralgias, mialgias, depressão, perda da memória de curto prazo, perda da libido. O exame físico pode detectar uma “linha de chumbo” na borda gengival dos dentes, palidez, queda do punho e disfunção cognitiva (ex., declínios no miniexame do estado mental); as análises laboratoriais podem mostrar anemia normocrômica e normocítica, pontilhado basofílico nos eritrócitos (no esfregaço sanguíneo), nível sanguíneo alto de protoporfirina (eritrocitária livre ou ligada ao zinco) e retardos motores da condução nervosa.

. EFEITOS TÓXICOS – QUANDO SUSPEITAR:

– EXPOSIÇÃO AGUDA (níveis sanguíneos de chumbo (BPb) > 60-80 μg/dL> Efeitos nos sistemas nervosos central e periférico; distúrbios da hematopoiese e disfunção dos túbulos renais. Com níveis mais altos de exposição (BPb > 80-120 μg/ dL) Encefalopatia aguda com convulsões, coma e morte.

– EXPOSIÇÃO SUBCLÍNICA EM CRIANÇAS (BPb: 25-60 μg/dL) anemia; deficiência intelectual; e déficits de linguagem, função motora, equilíbrio, audição, comportamento e desempenho escolar.

– EXPOSIÇÃO SUBCLÍNICA CRÔNICA EM ADULTOS (BPb > 40 μg/dL) anemia, neuropatia periférica desmielinizante (primariamente motora), déficits no tempo de reação e audição, declínio acelerado na cognição, hipertensão, atrasos de condução no ECG, risco elevado de doença cardiovascular e morte, nefrite intersticial e insuficiência renal crônica, contagem reduzida de esperma e abortamentos espontâneos.

O QUE FAZER: Identificar e eliminar potenciais fontes de exposição são fundamentais. Porém se este paciente apresenta sintomas agudos após exposição maciça, você precisará referenciá-lo para Serviços com suporte nos seguintes tratamentos: quelação com DMSA (succímero) oral; se houver intoxicação aguda, pode ser necessário hospitalizar o paciente e administrar quelação IV ou IM com ácido etilenodiaminotetracético e cálcio dissódico (CaEDTA), com o acréscimo de dimercaprol para evitar agravamento da encefalopatia. Ainda não está claro se as crianças com exposições assintomáticas ao chumbo (p. ex., BPb 20- 40 μg/dL) melhoram com a quelação. A correção de deficiências dietéticas de ferro, cálcio, magnésio e zinco reduzirá a absorção de chumbo e, também pode melhorar a toxicidade. A vitamina C é um agente quelante natural, embora fraco. Os suplementos de cálcio (1.200 mg à hora de deitar) foram associados à redução dos níveis sanguíneos de chumbo das gestantes. O carvão ativado não se liga aos metais e, por essa razão, tem pouca utilidade nos casos de ingestão aguda de metais.

Fonte: Harrison, 19ª ed.

 

Em resumo, trago algumas informações fundamentais para serem lembradas caso haja suspeita de intoxicação por chumbo:

  • Chumbo inibe ferroquelatase e ALA dehydratase – reduz síntese do grupo heme e eleva a protoporfirina de glóbulos vermelhos
  • Também inibe a degradação do RNAr, causando retenção de agregados de RNAr nas hemácias (pontos basofílicos no interior dos eritrócitos à microscopia)
  • Alto risco em casas antigas com pinturas descascadas, proximidade a indústrias com manipulação de canos, cerâmicas, armamentos.

Mnemônico: (CHUMBO = LEAD)

Lead Line” (linhas de chumbo ou linhas de Burton) na gengiva e na metáfise de ossos longos ao Raio-x
Encefalopatia e pontos basofílicos nos Eritrócitos
Anemia sideroblástica e cólicas Abdominais
Drops” – pé caído e punho caído. Dimercaprol e EDTA são a 1ª linha de tratamento

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Referências:

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