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Cirurgia29 setembro 2025

PET com aminoácidos em gliomas: novas recomendações RANO/EANO

Atualização do RANO/EANO consolida papel do PET com aminoácidos na decisão clínica em gliomas, do diagnóstico ao seguimento.

Quem acompanha gliomas no dia a dia sabe que a ressonância é indispensável, mas tem muitas armadilhas: edema, necrose, pseudoprogressão e alterações inespecíficas confundem o raciocínio justamente quando decisões cirúrgicas, radioterápicas e sistêmicas precisam ser tomadas. A tomografia por emissão de pósitrons (PET) com traçadores de aminoácidos ganhou espaço como complemento da RM, ajudando a diferenciar lesão tumoral de efeito do tratamento, a orientar biópsia e a definir volumes de radioterapia. 

O artigo é uma atualização conjunta do grupo RANO (Response Assessment in Neuro-Oncology) e da EANO, oito anos após o primeiro guideline de 2016, e consolida onde o PET realmente agrega, com ênfase na superioridade prática do PET com aminoácidos (FET, FDOPA, MET) sobre o FDG-PET em gliomas. Os autores também deixam claro o que ainda falta: evidência de nível 1 (ensaios randomizados) mostrando benefício em desfechos quando o PET é incorporado à rotina, algo que direciona prioridades de pesquisa para os próximos anos. 

Veja também: Uso do PET-CT para rastreio do câncer em pacientes com TVP

aminoácidos

Desenho metodológico 

Trata-se de um Policy Review elaborado por especialistas da RANO (subgrupo de PET) e da EANO. A atualização reavalia a literatura pós-2016 e ancora as recomendações em estudos que validaram achados do PET por via histomolecular (biópsia/peça) ou por curso clínico (evolução), refinando o que antes já era conhecido e propondo um quadro de força das recomendações (forte, moderada, fraca) e níveis de evidência (Oxford 2011). Em linguagem prática, quando o guideline diz “forte”, é porque o conjunto de dados sustenta o uso; “moderada” pede mais cautela; “fraca” sinaliza cenário promissor, mas com dados ainda limitados. 

A revisão explicita que o PET com aminoácidos tem vantagem técnica nos gliomas (melhor contraste tumor-cérebro, menor captação em tecido normal) e organiza as indicações ao longo da trajetória do paciente: diagnóstico diferencial, planejamento de biópsia/resseção, definição de volumes para RT, avaliação de resposta e distinção recidiva versus alterações relacionadas ao tratamento. O documento também sintetiza recomendações pediátricas e aponta a criação, em 2024, do PET RANO 1.0, que seriam critérios padronizados de resposta por PET que devem ser adotados, sobretudo em ensaios clínicos. 

População envolvida 

Por ser um guideline, não há uma coorte única. A população aqui são pacientes com gliomas (adultos e crianças) nas diversas fases da doença. A maior parte das evidências vem de adultos; ainda assim, o texto reserva seção específica para a população pediátrica (gliomas pediátricos e tumores do SNC), com aplicação preferencial do PET com aminoácidos em cenários de dúvida após RM e na diferenciação entre recidiva e alteração de tratamento. O guideline é um esforço multidisciplinar (neuro-oncologia, neurocirurgia, radiologia, medicina nuclear, radioterapia) e transnacional, refletindo experiência acumulada em centros com grande 

Resultados  

  1. a) Diagnóstico diferencial em lesões recém-detectadas

Quando a RM deixa dúvida entre neoplasia e lesão não neoplásica, o PET com aminoácidos apresenta alto desempenho diagnóstico. Útil lembrar que PET negativo não exclui glioma; o padrão-ouro segue sendo a histopatologia, mas o PET ajuda a reduzir incerteza e a escolher melhor o local da biópsia, especialmente em tumores não captantes na RM. 

 

  1. b) Biópsia e planejamento cirúrgico

O PET com aminoácidos expande a visão além do realce por gadolínio, detectando componente tumoral em áreas FLAIR e mapeando regiões mais agressivas; integrada à RM na neuronavegação, aumenta a chance de amostrar o foco mais representativo e pode ajustar a extensão de ressecção (por vezes para mais, por vezes para menos). 

 

  1. c) Delineamento para radioterapia.

O PET costuma delimitar volumes maiores do que a RM, sobretudo em glioblastoma, e isso tem consequências. Em estudo de fase 2, escalonamento de dose guiado por FDOPA-PET associou-se a melhor PFS em 6 meses e sobrevida global (efeito mais claro em tumores MGMT não metilados), enquanto o ensaio GLIAA-NOA 10 (reirradiação baseada em FET-PET versus RM) não mostrou ganho de PFS/OS. A leitura proposta pelos autores é ponderada: usar PET sozinho para contornar pode não bastar; o valor está na combinação com RM e no cenário certo (o próprio benefício da reirradiação em OS é debatido). Ponto importante: limiares de captação variam por traçador e normalização, e ainda não há padrão validado em ensaio prospectivo para planejamento 

 

  1. d) Recidiva versus efeito do tratamento.

Aqui o PET com aminoácidos (FET, MET e FDOPA, fluciclovina) brilha: tem acurácias altas (~80-90%) para distinguir recidiva de pseudoprogressão/necrose, superando o FDG-PET, que tem pouco valor nessa pergunta. Em alguns serviços, esse é o uso mais imediato, pois evita biópsias desnecessárias e mudanças precipitadas de terapia 

 

  1. e) Avaliação de resposta.

Mudanças precoces de captação em FET-PET após radioquimioterapia (6–8 semanas) predizem desfechos melhores, algo que a RM nem sempre capta. Em gliomas recorrentes tratados com bevacizumabe (±lomustina), o PET com FET/FDOPA identifica resposta metabólica e ajuda a diferenciar “pseudoresposta”, e a resposta metabólica se associou a sobrevida >9 meses em estudo prospectivo. Para regorafenibe, há sinais de utilidade, mas com cautela: o braço regorafenibe no GBM-AGILE foi interrompido por futilidade. Em gliomas IDH-mut não captantes, séries recentes mostraram resposta metabólica por FET-PET às terapias alvo de IDH (ex., vorasidenibe) em poucas semanas, enquanto a RM permanecia inalterada, cenário em que os novos critérios PET RANO 1.0 dão linguagem comum para ensaios e, futuramente, para a prática. 

 

  1. f) Informação molecular e prognóstico.

Modelos com FET/FDOPA/MET mostram capacidade preditiva para IDH, 1p/19q, MGMT e TERT, mas a generalização ainda exige validações externas robustas. Em prognóstico, alta intensidade de captação associa-se a pior evolução, tanto no pré-operatório quanto no pós-operatório. 

 

  1. g) População pediátrica.

Em crianças, o PET com aminoácidos é especialmente útil quando a RM é inconclusiva e na diferença recidiva/efeito do tratamento; aquisição dinâmica de FET pode acrescentar valor. A recomendação é mais conservadora (força fraca) por menor volume de dados, mas a direção é promissora. 

 

  1. h) Custo, acesso e futuro.

Análises sugerem custo-efetividade ao evitar terapias ineficazes e biópsias desnecessárias; a incorporação e reembolso vêm avançando. No horizonte, IA/radiômica e teranóstica (imagens moleculares + radionuclídeo terapêutico) devem ampliar o papel da PET em gliomas. 

 

Limitações e nuances 

Faltam ensaios randomizados que demonstrem ganho real (sobrevida/qualidade de vida) ao integrar PET ao fluxo. Persistem heterogeneidade de limiares, diferenças entre traçadores, logística (ex., FET dinâmica demanda 40–50 min), e o cuidado de não usar PET isoladamente para decisões como reirradiação: o casamento com a RM é a regra. 

 

Considerações clínicas e implicações para a prática 

 Quando pedir PET com aminoácidos? Pense nele quando a RM não fecha o diagnóstico, para planejar biópsia/reseção em tumores pouco ou não captantes, para definir volumes-alvo de radioterapia (em conjunto com a RM) e, sobretudo, para distinguir recidiva de efeito do tratamento. 

Como interpretar no contexto certo? Em resposta, valorize mudanças precoces de captação; use PET RANO 1.0 em protocolos e pesquisas. Lembre-se que respostas metabólicas podem aparecer antes da RM, principalmente com antiangiogênicos 

Evite extremos. Quem guia é a integração PET+RM. Nem tudo que “acende” é alvo para ampliar volume cirúrgico/RT; nem toda ausência de captação descarta doença. Patologia continua sendo a palavra final quando houver dúvida. 

Atenção à logística. Se o serviço tiver FET dinâmico, ótimo, pois ele agrega; se não, a aquisição estática já traz benefícios importantes. Conheça o traçador disponível e os limiares localmente validados. 

Em crianças, use com cautela e objetivo claro. Maior utilidade quando a RM é inconclusiva e para distinguir recidiva de alteração de tratamento. 

Concluindo, a atualização RANO/EANO consolida o PET com aminoácidos como adjunto de alto valor na jornada do paciente com glioma, especialmente para diferencial difícil, biópsia/planejamento, recidiva vs. efeito de tratamento e avaliação de resposta, com o lembrete honesto de que ainda precisamos transformar boa acurácia diagnóstica em ganho comprovado de desfechos para todos os pacientes. 

Autoria

Foto de Gabriel Madeira Werberich

Gabriel Madeira Werberich

Possui graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2009). Residência de Clínica Médica pela UERJ/Hospital Universitário Pedro Ernesto(HUPE)/Policlínica Piquet Carneiro(PPC). Residência Medica em Oncologia Clínica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA). Fellowship (R4) de Oncologia Clínica no Hospital Sírio Libanês (2016). Concluiu a residência médica de Radiologia e Diagnóstico por Imagem no HUCFF-UFRJ e R4 de Radiologia do Centro de Imagem do Copa Dor, com ênfase em Ressonância Magnética de Medicina Interna, e mestrado em Medicina na UFRJ concluído em 2023. Tem experiência na área de Clínica Médica, Oncologia Clínica e Diagnóstico por Imagem em Tórax, Medicina Interna e Radiologia Oncologica. Pos-Graduação em curso de Inteligencia Artificial aplicada a Saúde.

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